ESTATUTO DA CIDADE - UM AVANÇO OU RETROCESSO?
OCUPAÇÃO DE
ENCOSTAS E MARGENS DE RIOS– PERIGO OU SOLUÇÃO?
Um desafio para
Homem na gestão dos recursos naturais e no planejamento urbano.
Francisco
Carrera[1]
O ano de 2011
chegou com uma mensagem de extrema importância: Estamos sendo cobrados pela
ausência de gestão pública e privada dos processos de ocupação de encostas nos
municípios da região sudeste do Brasil. As tragédias que acometeram ultimamente
os municípios da região serrana no Rio de Janeiro, chamaram a atenção dos
profissionais das mais diversas áreas. Assistimos passivamente a perda de vidas
humanas que de uma hora para outra foram dizimadas pela enxurrada de
lixiviações e desmoronamentos em nossas encostas. As chuvas intensas e o
crescimento em progressão geométrica dos índices de pluviosidade naquela região,
obrigou a sociedade a cobrar do Poder Público diversas intervenções junto às
ocupações irregulares das áreas consideradas como de preservação permanente. Há
tempos, muitas ações civis públicas, muitas previsões meteorológicas e
sobretudo previsões socioambientais já nos alertavam do grande risco que
representava a construção de casas nas encostas. Porém, já não é de hoje que
esta situação é conhecida.
Ocorre que, como
em toda metrópole, a expansão urbana quando descontrolada não possui limites. A
tendência em cidades serrranas é a ocupação das encostas e, sobretudo, das
áreas de preservação permanente, como margens de rios, topos de morros,
encostas com inclinação acima de 45 graus.
Com isto, cidades que até então eram nitidamente turísticas e
tradicionais, perderam sua característica original e deram chance para que o
comércio tomasse a dianteira das atividades econômicas locais e a expansão
imobiliária descontrolada iniciasse a destruição de áreas que são essenciais ao
equilíbrio dos ecossistemas naturais. Porém, o tempo passou. As cidades
ganharam uma oportunidade ímpar de promover a revisão de seu plano Diretor, já inclusive sob a luz da Lei n. 10.257/01
(Estatuto das Cidades) e ganhou, também a oportunidade de implementar na urbe
uma gestão genuinamente sustentável, capaz de associar fatores como meio
ambiente natural e parcelamento regular do solo urbano. Porém, não foi isto que
assistimos nos últimos anos. A ocupação do solo demonstrou-se acelerada. Áreas
urbanas já consolidadas, perderam suas APP's e o platô principal das áreas
serranas próximas a estas cidades já foi
totalmente devastado. A madeira de lei, ou as árvores primárias
principais foram removidas. Inexiste qualquer proteção radicular de árvores
adultas para a contenção das encostas, e, o capim sapê, ( Imperata brasiliensis Trin.) planta invasora, toma quase que toda
a superfície do platô. Já na parte debaixo da floresta, quase lindeira à
planície, assistimos a ocupação, com arruamento, inclusive das áreas
consideradas pelo Código Florestal como de preservação permanente, segundo o
que prevê o Artigo 2. da Lei n. 4771/65.
Com a derrubada das árvores principais, o solo da floresta fica
totalmente vulnerável à penetração das águas pluviais e os mananciais e sobretudo
as edificações que ficam abaixo deste platô, certamente suportam hoje o exaurimento
da capacidade de contenção destas encostas.
Os desabamentos
margeiam a barbárie! A situação daqueles municípios é calamitosa. Já quase há
uma semana do evento e ainda não é possível acessar alguns lugares. Somente de
helicóptero. O que assistimos novamente é a prática da injustiça ambiental. Muitos cidadãos “sem teto”, foram iludidos
com o sonho da casa própria sobre um grande barril de pólvora, à luz da omissão
dos governos anteriores, que permitiram a ilegalidade em troca de votos. Uma cena de injustiça ambiental que nos fez
recordar o filme “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”, protagonizado
por Julia Roberts, que refletia a ânsia de uma mulher em salvar uma comunidade envenenada por uma grande
empresa. Porém, em nosso cenário, foi o próprio tempo que travestiu-se de Erin
e vitimou centenas de famílias naquela inesquecível tragédia. O artigo 68 da Lei n° 9605/98 é expresso ao
atribuir a responsabilidade penal a Autoridade Administrativa que se omite no
cumprimento de obrigação de relevante interesse ambiental, como, in casu a de
remover todos os moradores daquela localidade, ou ainda impedir a construção de
residências sobre uma área onde a própria Lei determina como de preservação
permanente.
Se não bastasse
tudo isso, a cada ano, desmoronamentos
de rocha e lama se sucedem, os taludes se desmilinguam a cada dia e a chuva
incessante preocupa os governantes. O que realmente está faltando? Governança? Iniciativa política? Participação
popular? Ou falta educação ambiental, tanto no setor público quanto no privado?
Estas respostas poderão ser encontradas no FUTURO PRÓXIMO. Mas não podemos
reproduzir a omissão que já nos é típica.
A ocupação
irregular das áreas de preservação permanente em áreas urbanas, foi
flexibilizada, em parte pelo que dispõe o próprio parágrafo único do Art. 2. do
Código Florestal, que assim prevê:
“Parágrafo único. No caso de áreas
urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por
lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á
o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo,
respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo” (g.n.)
Ora, quem observa
e interpreta externamente a lei, pode imaginar que toda a proteção prevista nos
incisos do Art. 2º quedou-se inerte à
luz do que dispõe o parágrafo único do mesmo artigo. Porém, não podemos olvidar que ao final do
texto há uma referência expressa aos limites previstos anteriormente nos
incisos. Assim, verificamos que nem mesmo o plano diretor e tampouco as leis de
uso do solo podem modificar a proteção contida no Art. 2. do Código
Florestal. (APP's).
O futuro não
existe. O presente sim. A hora de agir chegou. Ou tomamos de assalto nossa
responsabilidade sócioambiental, ou seremos, literalmente dizimados pela
ausência de saber. Fritjof CAPRA, James LOVELOCK, Leonardo BOFF, há tempos nos
avisaram sobre todos estes resultados. Pena que imaginávamos que eram apenas
sofistas. Sorte temos que estes homens ainda estão vivos e podem, ainda, nos
ajudar nesta árdua tarefa! Meus irmãos da Terra! Vamos à obra! Tudo está
justo e perfeito. Ou deciframos a
esfinge da sustentabilidade, ou feneceremos sobre nossos próprios escombros e
seremos devorados por aqueles que se dizem iluminados pelo progresso. Vejam o
que disse o cacique americano no século
XVIII
“(...)O que ocorrer com a terra
recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente
um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.(...)
Agora
é só refletir...
[1] Advogado,Mestre em Direito da Cidade pela
UERJ, Pós graduado em Auditorias e Perícias Ambientais – UNESA, professor de Direito Ambiental da Escola da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ,Membro da APRODAB-Associação
dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, e do IBAP – Instituto
Brasileiro de Advocacia Pública -
Coordenador do Curso de Pós Graduação em Direito Ambiental do Instituto A
Vez do Mestre da Universidade Cândido Mendes. Autor de diversos Livros
sobre Direito Ambiental e
Urbanístico. Ex-Membro do Conselho
Municipal de Meio Ambiente do Município do Rio de Janeiro – Assessor jurídico
de diversas prefeituras no Brasil, sua ultima obra intitula-se “ Cidade
Sustentável – utopia ou realidade” Ed. Lumen Juris – é Sócio Titular da Carrera
Advogados, Assessoria Juridica em Meio Ambiente e Urbanismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário