sexta-feira, 8 de março de 2013

Integra da Sentença que rejeitou a denúncia contra a Chevron, Transocean e 17 pessoas físicas


A 10ª Vara Federal Criminal do Rio, rejeitou integralmente a denúncia contra a Chevron Brasil Petróleo Ltda, Transocean Brasil Ltda e mais outras dezessete pessoas físicas.
Os crimes teriam sido cometidos em decorrência do vazamento de petróleo no Campo do Frade, na Bacia de Campos em novembro de 2011, quando 3600 barris de petroleo extravasaram para o oceano.
( Fonte: www.jfrj.jus.br)

Veja abaixo a íntegra da sentença:

AS INFORMAÇÕES AQUI CONTIDAS NÃO PRODUZEM EFEITOS LEGAIS.
SOMENTE A PUBLICAÇÃO NO D.O. TEM VALIDADE PARA CONTAGEM DE PRAZOS.

0490545-96.2011.4.02.5101      Número antigo: 2011.51.01.490545-7
26003 - INQUÉRITO POLICIAL
PROCESSO COM: SIGILO DE PEÇAS
Autuado em 23/12/2011  -  Consulta Realizada em 08/03/2013 às 14:38
AUTOR    : DELEGADO DE POLICIA FEDERAL
INDICIADO: CHEVRON BRASIL PETROLEO LTDA E OUTROS
ADVOGADO : NILO BATISTA E OUTROS
10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro - MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO
Juiz  - Sentença: MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO
Redistribuição Dirigida  em 29/05/2012 para 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro
Objetos: CRIME AMBIENTAL
EXISTEM 9 DOCUMENTOS APENSOS PARA ESTE PROCESSO.
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Concluso ao Juiz(a) MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO em 18/02/2013 para Sentença SEM LIMINAR  por JRJDCH
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SENTENÇA TIPO: D4 - Rejeição de Denúncia (art. 46, CPP) LIVRO 1/2013 REGISTRO NR. 000009/2013 FOLHA 52/91
Custas para Recurso - Autor: R$ 0,00
Custas para Recurso - Réu: R$ 0,00
Custas devidas pelo Vencido: R$ 0,00

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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ

PROCESSO Nº 0490545-96.2011.4.02.5101 (2011.51.01.490545-7)
JUIZ FEDERAL: DR. MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO
AUTOR: DELEGADO DE POLICIA FEDERAL
RÉU: CHEVRON BRASIL PETROLEO LTDA E OUTROS

DECISÃO


I ¿ Relatório

No presente caso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ¿ MPF ¿ propõe a ação penal pública incondicionada em face de CHEVRON BRSILEIRA DE PETRÓLEO LTDA., TRANSOCEAN BRASIL LTDA., FLÁVIO MONTEIRO, JOÃO FRANCISCO DE ASSIS NEVES FILHO, MARK THOMAS LYNCH, ALEXANDRE CASTELLINI, JASON WARREN CLENDENEN, GLEN GARY EDWARDS, CLIFTON EDWARD MENHENNITT, JOHNNY RAY HALL, GUILHERME DANTAS ROCHA COELHO, MICHEL LEGRAND, GARY MARCEL SLANEY, IAN JAMES NACARROW, BRIAN MARA, PATRÍCIA MARIA BACCHIN PRADAL, GEORGE RAYMOND BUCK III, ERIC DYSON EMERSON, na qual pleiteia a condenação dos Réus às penas dos crimes previstos nos arts. 54, caput, 54, §2º, V, e 55, combinados com a causa de aumento prevista no art. 58, I, e no art. 60, todos da lei nº 9.605/98, art. 2º da lei nº 8.176/91 e art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal.

O Parquet ainda requer a condenação dos denunciados CHEVRON BRSILEIRA DE PETRÓLEO LTDA., GEORGE RAYMOND BUCK III, FLÁVIO MONTEIRO, PATRÍCIA MARIA BACCHIN PRADAL e GLEN GARY EDWARDS pela prática dos delitos previstos nos arts. 68, 69, 69-A, §2º, todos da lei nº 9.605/98, e a condenação de todos estes, com a exceção da CHEVRON, às penas do crime descrito no art. 299 do Código Penal.

Também cabe registro neste curtíssimo relatório, que o MPF, embora tenha feito CINTIA VASCONCELOS FIGUEIREDO integrar o rol de Acusados, pouco tempo depois requereu a exclusão dela porque o crime que lhe foi atribuído, tipificado no art. 56, caput, da lei nº 9.605/98, não se insere na competência da Justiça Federal (fl. 84).

II ¿ Fundamentação

Para fundar a decisão de recebimento da demanda, basta a observância pela inicial dos seguintes requisitos e pressupostos (CRFB/88, art. 5º; CPP, arts. 41 e 395):

(1) requisitos: (a) exposição clara e objetiva do fato imputado ao denunciado, com todas as suas circunstâncias, de tal modo que possa ser plenamente exercido o direito à ampla defesa; (b) a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais possa ele ser identificado e localizado; (c) classificação do crime; (d) o rol das testemunhas, se necessário;

(2) pressupostos formais: (a) concorrência dos pressupostos processuais positivos e inexistência de pressupostos processuais negativos, além da presença das condições para o exercício da ação; (b) existência de base empírica (elementos informativos) que dê amparo à razoável suspeita (¿indícios¿ de materialidade e autoria) do cometimento pelo denunciado do crime (lastro ¿probatório¿ ou justa causa). Não se reivindica ¿juízo de certeza¿ ¿ necessário apenas para escorar uma condenação ¿, e sim um ¿juízo de probabilidade¿ (STF: HC 88.153-0/RJ, T1, DJE 04.10.2007; Inq. 2.052/AM, pleno, DJ 16.02.2007; HC 88.533/SP, T2, DJ 08.09.2006).

(3) pressupostos materiais: (a) correspondência, primus ictus oculi, do fato narrado à noção jurídico-penal de crime (conduta típica, ilícita e culpável); (b) inexistência de causa extintiva da punibilidade, como, por exemplo, a prescrição da pretensão punitiva, o óbito ou o pagamento do débito tributário.

Imputação descrita na Denúncia para os crimes previstos nos arts. 54, caput, 54, §2º, V, combinados com a causa de aumento prevista no art. 58, I, todos da lei nº 9.605/98.

De acordo com a Denúncia, no dia 07/11/2011, a equipe da plataforma submersível SEDCO 706, de propriedade da empresa TRANSOCEAN BRASIL LTDA, identificou a ocorrência de um kick, (invasão de fluidos da formação para o interior do poço) de óleo no poço MUP1, que estava sendo perfurado no Campo de Frade pela concessionária CHEVRON BRASIL UPSTREAM FRADE LTDA.  O equipamento de segurança BOP (Blowout Peventer), foi capaz de fechar o ¿boca¿ o poço, mas como o volume de pressão exercida fraturou as paredes do poço, o petróleo bruto extravasou para o oceano, precisamente, na Latitude 21 53¿ 23,437¿ S e Longitude 39 49¿ 43,219¿ W.

Consoante a Acusação, durante a perfuração faz-se necessário uma pressão superior àquela existente no interior do reservatório,  a qual ainda tende a aumentar após a circulação no poço e influência de cascalhos, sob pena de ocorrência do chamado kick.  Ressalta, entretanto, a atenção para que a pressão bombeada não ultrapassasse os valores estipulados à resistência das estruturas dos poços, a fim de que não ocorra o rompimento.

Teria sido apurado que a pressão máxima esperada para o reservatório seria de 9.4 libras por galão e, com a realização de testes, fora verificado que as paredes do poço, revestidas abaixo da sapata, agüentariam a pressão de 10.57 libras por galão, sob pena de rompimento, sendo o restante do poço constituído por paredes com formação nova, considerada frágil pelos geólogos.

Entretanto, a pressão bombeada para o poço teria sido de 9.5 libras por galão, isso é, apenas 0.1 libras a mais que pressão interna, a qual ainda seria aumentada após a circulação no poço e a influência de cascalhos, o que culminara com o kick, em que a pressão do reservatório sobrepujou a da lama de perfuração.

Após, em procedimento para controlar o poço, denominado de bullheading, teriam utilizado a pressão de 13.9 libras por galão, enquanto a suportada pela estrutura do poço era de 10.57 libras, o que resultou no vazamento de petróleo cru através de fissuras das paredes do poço, naquele local.

Em 08/11/2011, a PETROBRÁS informou aos órgãos competentes a presença de uma mancha de óleo órfã (terminologia petroleira para indicar mancha proveniente de derramamento de petróleo, visível sobre o mar e de grandes proporções), localizada entre os Campos de Frade e Roncador, na Bacia de Campos. Após, através de veículo operado remotamente, iniciou a busca para a identificação de um possível ponto de derramamento, quando detectou 7 fissuras no leito do oceano, a maior delas medindo cerca de 300 metros de extensão.

Dois dias após iniciado o vazamento de petróleo, em 09/11/2011, a CHEVRON comunicou oficialmente o acidente no Campo de Frade e informou o início dos procedimentos previstos em seu Plano de Emergência Individual ¿ P.E.I. (Volume I do Apenso II).

Na visão do MPF, esses fatos se amoldariam aos seguintes delitos, todos praticados sob a perspectiva jurídico-penal do dolo eventual:

na Lei n. 9.605/98:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º Se o crime:

V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.

Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:

I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral;


Tais delitos serão analisados a partir de três perspectivas diferentes: a) a questão da autoria; b) a questão do elemento subjetivo e c) a questão do alcance do dano ambiental.

a) A questão da autoria ¿ A situação da TRANSOCEAN

A Denúncia imputa tais fatos à duas empresas ¿ CHEVRON e TRANSOCEAN ¿ e a dezessete pessoas físicas, dentre gestoras, empregados e colaboradores das pessoas jurídicas.  Entretanto, terminada a avaliação técnica do acidente pela ANP, foi emitido o Relatório Final acerca da dinâmica dos fatos, e tal documento relaciona apenas a CHEVRON na explicação dos motivos que teriam provocado e agravado o vazamento de petróleo que estava depositado no reservatório do poço 9-FR-50DP-RJS do Campo de Frade (fls. 579/649).  Essa particularidade sugere, de outro lado, a ausência de culpa da TRANSOCEAN por tais eventos.

Para a ANP, a hipótese mais factível para o incidente, com vazamento estimado em 3.700 barris, foi a reunião destes três fatores: kick seguido de blowout (I), fratura em região de poço aberto (II) e migração do petróleo até o leito marinho (III), mas nenhum atribuível à TRANSOCEAN nem, por consequência, a seus gestores, empregados e colaboradores.  A propósito, cada um desses fatores causais é explicado da seguinte maneira pelo Órgão Regulador:

(I) erro da CHEVRON na previsão da pressão da formação no ponto de entrada do reservatório N560, provocado, muito provavelmente, pela ignorância ou não utilização dos dados conhecidos de poços de correlação que indicavam valores superiores aos estimados pela concessionária da ANP;

(II) o erro no projeto (não na execução do projeto) do poço em questão, cujo revestimento imaginado pela CHEVRON não resistiu ao gradiente de pressão da formação no trecho entre 1.830 e 1.960 metros, o que levou à fratura da formação rochosa e permitiu que o conteúdo do reservatório N560 migrasse do poço para as formações a ele adjacentes, e daí para o leito marinho; e

(III) as vias de passagem do petróleo desde o local da fratura na formação rochosa até o leito do oceano, o que pode ter acontecido de duas maneiras, não excludentes: a) fluxo por meio da fratura no trecho de poço aberto logo abaixo da sapata de 13/ 3/8, passando por trechos adjacentes ao revestimento e por estruturas geológicas não consolidadas até a superfície e b) através de fraturas provocadas por cálculos equivocados da CHEVRON, que conectaram o poço a falhas geológicas em estruturas adjacentes e que foram ativas pela pressurização do poço.

A diversidade de tratamento se dá pois, embora a CHEVRON e a TRANSOCEAN participem conjuntamente das atividades exploratórias naquela região do Campos de Frade, as posições de cada qual perante o Poder Concedente e as respectivas atribuições são bem diferentes.  A CHEVRON é a concessionária a quem, por força do Contrato de concessão n. 48000.0038969720 firmado com a ANP, tem a obrigação de planejar, preparar, executar e controlar as operações petrolíferas (cláusula 13.3 e 13.12) , e à ela caberá o direito de propriedade sobre o petróleo e gás natural que venham a ser efetivamente produzidos e recebidos no Ponto de Medição da Produção (cláusula 2.2).  Por seu turno, a TRANSOCEAN é a proprietária e operadora da plataforma à qual incumbe executar o plano de perfuração segundo as diretivas traçadas pela concessionária.

Nessa mesma linha, a Procuradoria Federal em atuação junto à ANP esclareceu, nos Embargos de Declaração opostos contra a Decisão proferida pela 5a Turma do TRF da 2a Região que determinava a suspensão das atividades de ambas empresas, que:

 ¿A TRANSOCEAN não realiza análises geológicas nem projetos de poços.  Não é ela quem define o tipo de fluido a ser utilizado na perfuração ou realiza a cimentação do poço.  Também não se responsabiliza pela extração e transporte de petróleo.  Todas essas atividades são de responsabilidade das suas contratantes, empresas de petróleo como a CHEVRON¿ (fl. 760).

Em outro trecho da mesma petição a Procuradoria da ANP frisa a ausência de responsabilidade da TRANSOCEAN pelo incidente:

¿Apesar de a CHEVRON ter contratado a TRANSOCEAN para a execução da perfuração do poço 9-FR-50DP-RJS, não se apurou qualquer irregularidade ou falha em seu procedimento, podendo-se afirmar que a referida empresa não contribuiu, por ação ou omissão, para a ocorrência do acidente, conforme detalhadamente exposto no Relatório de Investigação do Incidente de Vazamento de Óleo no Campo de Frade (Anexo II).  A ausência de responsabilidade da TRANSOCEAN no acidente foi expressamente reconhecida pela ANP, que assim se manifestou através do Ofício n. 151/2012/DG-ANP (Anexo III): ¿Portanto, entendemos que os elementos técnicos contidos na apuração conduzida no âmbito das atribuições da ANP demonstraram que a manipulação dos equipamentos da sonda não se configurou em causa-raiz do acidente em questão¿ (fl. 755).

E mais adiante, aquela unidade da Procuradoria Federal retoma ao mesmo tema e apresenta a seguinte conclusão com o intuito de impedir qualquer embargo do Poder Judiciário aos trabalhos de perfuração que a TRANSOCEAN vem prestando a diversas empresas concessionárias do Poder Público (fl. 769):

(x) Não se apurou qualquer irregularidade ou falha nos trabalhos executados pela TRANSOCEAN na perfuração do poço 9-FR-50DP-RJS em cumprimento ao projeto determinado pela CHEVRON, podendo-se afirmar que a referida empresa não contribuiu, por ação ou omissão, para a ocorrência do delito¿.

Essas considerações impedem, por falta de justa causa, a formação do processo penal em relação aos seguintes suspeitos:

- TRANSOCEAN BRASIL LTDA;
- GUILHERME DANTAS ROCHA COELHO;
- MICHEL LEGRAND;
- GARY MARCEL SLANEY;
- IAN JAMES NANCARROW e
- BRIAN MARA.

b) A questão do elemento subjetivo

 A catalogação daquelas condutas no conceito de dolo eventual faz a Denúncia padecer de um problema insanável: a inconsistência entre a lógica da ação empresarial e a lógica das ações humanas.  A não combinação desses dois elementos indica, no caso deste processo, a imprecisão técnica da opinio delicti expressada na Denúncia.

Explica-se.  Em se tratando de delitos causados no exercício da atividade empresarial, a compreensão dos fatos deve levar em consideração os fundamentos econômicos que regem as decisões tomadas no âmbito da empresa.  Uma boa ferramenta para examinar a questão é a análise econômica do direito, de onde se busca o modelo da concorrência perfeita que, embora não represente perfeitamente as economias reais, oferece um padrão de referencia conveniente para examinar a qualidade das decisões empresariais.

Por trás dessa forma de pensar está a hipótese básica da escolha racional, a significar que as empresas, assim como as pessoas ponderam os custos e benefícios de cada possiblidade sempre que há escolhas a se fazer.  Tal hipótese está alicerçada na premissa de que as empresas atuam de forma coerente com os objetivos que pretendem alcançar e com alguma ideia dos meios necessários para atingi-los.  No caso das empresas, a hipótese da racionalidade significa que elas operam com o intuito a maximizar os lucros num ambiente onde recursos escassos não podem ser desperdiçados e, portanto, não é possível produzir mais de um bem sem produzir menos de outro.

Pois bem, se no dolo eventual o agente toma a realização do tipo seriamente como possível e com isso se conforma, a atuação segundo esse estado anímico é, praticamente, inconciliável com delitos que, praticados no exercício da atividade empresarial convencional, têm o resultado antagônico à expectativa de escolha racional das empresas.

Valendo-se desses conceitos, a aceitação da Denúncia implicaria em considerar que a CHEVRON e alguns de seus importantes funcionários, após considerarem matematicamente o altíssimo risco de causar o kick, fissurar a formação rochosa e ver o seu objetivo final escoar pelas águas do oceano, decidiram, levianamente, correr o risco de, àquela altura, quando as planilhas só mostravam os custos do negócio, transformar as expectativas capitalistas em prejuízos, até mesmo com chances de inviabilizar definitivamente a exploração do poço que, em consórcio com a Petrobrás S.A., pagaram um preço caríssimo pela concessão.

Pior ainda, em qualquer modelo de concorrência, seja perfeita ou imperfeita, o custo total é o que a empresa gastou mais o que deixou de ganhar com negócios alternativos, logo a tese do dolo eventual, para ser viável, tem de confirmar a hipótese de que a empresa e seus colaboradores, ao darem partida a uma aventura exploratória inconsequente, deliberaram reduzir o conjunto de oportunidades ¿ lista de opções empresariais disponíveis ¿ com a séria consequência de minimizar o lucro ou realizar prejuízos, na medida em que o dano ambiental impõe o desvio de recursos financeiros e humanos para outras atividades.

Desse modo, imputar os danos ambientais aos Réus a título doloso foge à lógica básica do processo de escolhas racionais da empresa e, assim, desafia o senso comum.  Mas para não ficar apenas nas insinuações econômicas, destacamos o Relatório Final do Incidente elaborado pela Agência Nacional de Petróleo ¿ ANP ¿,  que retrata, muito bem, a causa mais provável do incidente: imprudência ou imperícia técnica no gerenciamento da perfuração do poço de petróleo.  Chama à atenção, no documento preparado exatamente pelo Órgão de Regulação do mercado de petróleo, portanto, com incontrastável conhecimento técnico do tema, a profusão de expressões que remetem a comportamentos essencialmente culposos sob o prisma penal:

A CHEVRON não foi capaz de interpretar corretamente a geologia e a fluidodinâmica local, apesar de já haver 62 poços perfurados no Campo de Frade. Com isso, deu causa ao kick, evento iniciador que culminou com a exsudação do óleo para o mar;

O erro de interpretação da geologia e da fluidodinâmica do reservatório por parte da CHEVRON, principalmente no que se refere aos efeitos da injeção de água por  ela realizada no Campo de Frade, levou a uma estimativa incorreta no modelo de pressão do reservatório N560 na região onde ocorreu o kick. A pressão equivocamente prevista pela empresa era de 3.700 psi (9,4 ppg), conquanto, segundo os cálculos da ANP, situava-se entre 4.003 psi (10,16 ppg) e 4.176 psi (10,6);

A Chevron desconsiderou, na elaboração do projeto do poço 9-FR-50DP-RJS, os dados de teste do poço 4-TXCO-2D-RJS, perfurado em 15/05/2001, que indicavam um LOT (Leak Off Test) de 10,3 ppg, bem como os FITs (Formation INtegrity Tests) dos revestimentos de superfície dos poços 7-RF-2HP-RJS e 7-FR-21HP-RJS, perfurados em 2008 e 2009, que indicavam 10,19 ppg e 10,1 ppg, respectivamente.  A estimativa de gradiente de pressão na formação que fraturou, dando início ao underground blowout, apontou para um valor de 10,23 ppg, conforme item 3.1.1, indicando que estes dados de poços de correlação jamais poderiam ter sido desconsiderados;

Se a Chevron tivesse utilizado os dados disponíveis de poços de correlação, o projeto que foi utilizado para o poço 9-FR-50DP-RJS teria se mostrado inviável.  Necessariamente, uma maior profundidade de assentamento da sapata, o aumento do número de fases e/ou outras medidas para tornar os riscos aceitáveis deveriam ter sido adotadas para que o projeto passasse pelo processo de aceitação;

O fato de o poço 9-FR-50DP-RJS ser piloto e especial, de caráter investigativo, ser o mais próximo do poço injetor após o início da injeção de água e os resultados da simulação do reservatório, executada previamente à perfuração, terem apontado para uma asobrepressurização artificial nesse trecho, deveriam ter sido elementos suficientes para que a Chevron considerasse o poço como um projeto de avaliação (appraisal projects).  Dessa forma, os valores de incerteza da pressão dos poros a serem utilizados no critério de tolerância ao kick deveriam estar entre 0,5 ppg e 1 ppg.  A Chevron utilizou, para cálculo de tolerância ao kick, uma incerteza de pressão de poros de 0,3 ppg, aplicável somente a poços de um projeto de desenvolvimento, em que os riscos de um kick por sobrepressão do reservatório são reduzidos;

Se a Chevron tivesse utilizado dados de incerteza da pressão dos poros compatíveis com um projeto de avaliação, caso do poço 9-FR-50DP-RJS, classificado pela própria empresa como ¿especial¿, o resultado do critério de tolerância ao kick indicaria a necessidade de alteração da profundidade de assentamento desta sapata, do número de fases ou a adoção de outras medidas para tornar os riscos aceitáveis;

A CHEVRON não efetuou a gestão da mudança do projeto de poço, quando foi detectado que o topo do último tampão de cimento do abandono do poço 9-FR-46DP-RJS ficou 175m abaixo do previsto. Dessa forma, a região logo abaixo da sapata de 13 3/8, onde seria efetuado o ganho de ângulo (KOP ¿Kick Off Point) do primeiro sidetrack, ficou sem cimento. As regiões imediatamente abaixo da sapata são, geralmente, as mais frágeis durante a perfuração. A continuação da operação sem a realização de um processo de gestão de mudanças (MOC) evidencia a baixa percepção de riscos da empresa e o não atendimento da regulamentação da ANP, além de ferir as boas práticas da indústria do petróleo;

O kick e o blowout não foram controlados em virtude da técnica de bullheading aplicada pela CHEVRON na tentativa de matar o poço ser claramente inadequada para a situação operacional que se apresentava, pois o poço estava com a sapata assentada a apenas 600m do leito marinho, a seção do poço aberto era excessivamente longa (1.450m), a coluna estava tomada de fluido do reservatório (o fluxo do reservatório para o poço já durava mais de 24 horas), o ponto de fratura da formação dera desconhecido pela CHEVRON e foi utilizada uma lama com densidade abaixo do gradiente de pressão do reservatório N560;

A CHEVRON levou dois dias para perceber que estava em uma situação de underground blowout. Os indícios de pressões de fechamento atípicas (a pressão de fechamento da coluna de perfuração era maior do que a pressão de fechamento anular), a ocorrência de perdas de circulação severas durante as tentativas de circulação pelo método do sondador e o fato de a Petrobrás ter identificado, em 08/11/2011, uma mancha órfã entre as concessões de Frade e Roncador constituem elementos suficientes para que a CHEVRON identificasse o underground blowout;

A CHEVRON somente identificou a ocorrência do underground blowout, em 09/11/2011, quando a exsudação foi visualizada pelo ROV. Com isso, os especialistas da Wild Well Control Inc. (WWCI) foram contatados apenas em 10/11/2011;

Na perfuração do poço 9-FR-50DP-RJS, iniciado no dia 06/11/2011, a CHEVRON deixou de executar uma análise de riscos em conformidade com a regulamentação brasileira e ignorou seus próprios procedimentos de gestão de riscos (Risk and Uncertanty Management Standard e Single Well CPDEP Roadmap). Ao não ter avaliado adequadamente os riscos do projeto, a CHEVRON deixou de contemplar as especificidades da perfuração do poço 9-FR-50DP-RJS, evidenciando deficiências na cultura de segurança, falhas na condução das operações e a acentuada debilidade na gestão de riscos por parte da empresa neste projeto.

c) a questão do dano ambiental - A Inexistência de poluição ambiental penalmente relevante

Mesmo que fosse o caso de desclassificar a capitulação de crime doloso para crime culposo, a Denúncia esbarraria num obstáculo invencível: a não realização do fato descrito no tipo penal objetivo.  Como se verá a seguir, a poluição causada pelo vazamento do óleo não chegou a ponto de concretizar os eventos danosos considerados pelo art. 54, caput, da Lei n. 9.605/98, que autorizaria a incidência do respectivo §1o, que prevê a modalidade culposa do crime.

Na Denúncia, o dano ambiental estaria demonstrado nos laudos elaborados por DAVID MAN WAI ZEE,  professor e doutor da Faculdade de Oceanografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro ¿ UERJ ¿ (fls. 104/108) e pelo Oceanógrafo e Analista Ambiental FERNANDO AUGUSTO GALHEIGO (fls. 475/480), bem como nos diversos estudos elaborados pelo IBAMA em conjunto com a MARINHA DO BRASIL (Laudo Técnico Ambiental), ANP e do próprio EIA/RIMA apresentado pela CHEVRON.

No Laudo de DAVID ZEE há considerações sobre a mancha de petróleo bruto

- o formato alongado e estriado da mancha de óleo indica espalhamento causado por ondas e ventos;

- em alguns pontos, o formato da mancha é elíptico, o que sugere reduzida taxa de dispersão.

DAVID ZEE também fez especulações acerca da influência da água oleosa na vida marinha:

- provável mortandante da icitiofauna, formada por zooplâncton e fitoplâncton que são a base da cadeia alimentar da biota marinha, segundo estudos científicos quando esses organismos são expostos a hidrocarbonetos;

- redução significativa desses organismos, observada até os três dias seguintes à dispersão do óleo, em virtude da absorção de substâncias tóxicas à medida que o petróleo se dilui na água;

- redução da capacidade de trocas gasosas desses organismos em razão de a camada de óleo diminuir a penetração da luz solar na água

Para DAVID ZEE, esses prejuízos ao meio ambiente foram provocados por dois motivos, todos imputáveis à CHEVRON:

- Falta de capacidade de detecção rápida do vazamento do óleo no leito marinho, decorrente da operação de perfuração do poço;

- Piora das condições de espalhamento e, por conseguinte, alastramento dos impactos ambientais ao dispersar o óleo mecanicamente.

O oceanógrafo e analista ambiental FERNANDO AUGUSTO GALHEIGO também especulou acerca da poluição causada pelo incidente.  De seu parecer, retiramos as seguintes observações:

- a mancha tinha afloramento na superfície nas coordenadas 21º 55¿ 11¿ S e 039º 49¿ 22¿ W e término em 22º 05¿ 21¿ S e 039º 47¿ 28¿ W, com estimativa de 12 milhas náuticas de extensão e ¼ de milha náutica de largura aproximadamente

- presença de ¿mousse¿ no término da mancha;

- a iridescência causada pelo óleo se estende por uma distância maior de difícil estimativa.

- a extensão da mancha na superfície do mar é decorrente da ausência de controle imediato da situação.

- possibilidade de os animais marinhos serem contaminados pelo contato prolongado com as substâncias tóxicas oriundas do óleo cru, que pode lhes causar câncer, e se capturados e ingeridos por humanos podem fazer com que as pessoas também desenvolvam esta doença, conforme o que ficou dito no item 2.6 fl. 34 do EIA elaborado pela CHEVRON, que se refere também à redução da capacidade reprodutiva dos animais.

Esses dois pareceres pecam pela precariedade da análise técnica.  São especulações, como já se disse, firmadas apenas pela visão proporcionada pelo sobrevoo na área oceânica, atingida pelo óleo vazado para o mar, e por estudos teóricos acerca dos efeitos da poluição por petróleo no meio ambiente feitos antes do acidente e sem relação com ele.

Por outro lado, os autos deste processou contam com o Laudo Técnico que o Núcleo de Criminalística da Polícia Federal incumbiu aos Peritos Criminais  ROSEMERY CORRÊA DE OLIVEIRA ALMEIDA e ELIMIANO SANTOS RODRIGUES DE OLIVEIRA para dar respostas às questões suscitadas pelo Delegado de Polícia Federal FÁBIO SCLIAR, que, desta vez, foi municiado de informações realmente precisas acerca das repercussões do incidente sobre meio ambiente.  De tal parecer técnico extraímos as seguintes conclusões (fls. 208/277):

1º) Para fins de volume, foi considerado 500m³, que seria maior que  o dobro do que o Plano de Emergência Individual da Chevron considera como grande vazamento (item 6.3, fl. 61), mas esclarece que tal classificação não leva em consideração sua magnitude, e sim os procedimentos de respostas correspondentes. Dessa forma, o volume informado de 500m³ enquadra-se na categoria de descarga grande, onde se incluem as superiores a 200m³. Ademais, conforme consta do Anexo 12 do P.E.I., uma descarga de pior caso, cujo volume teórico é calculado tomando-se por base o volume de estocagem de óleo cru no FPSO Frade (238.473m³), adicionado ao volume de óleo cru nas linhas de produção (13.045,44m³), seria de 251.518,44m³. Por conseguinte, um volume de 500m³, embora considerado uma descarga grande, é 500 vezes menor do que o pior caso possível previsto no P.E.I. (1ª Parte do Quesito 1). Esclarecem que, de modo geral, a introdução de óleo em ambiente aquático pode alterar as propriedades físico-químicas do  meio e, com isso, afetar a qualidade da água, comprometer, direta ou indiretamente, a biota marinha, desde a comunidade planctônica até espécies de topo de cadeia trófica, e causar danos à saúde humana. Entretanto, aos exames periciais, os signatários não tiveram identificação de efeitos tóxicos agudos em organismos vivos. Mas advertem que a não identificação desses efeitos não exclui a ocorrência de efeitos tóxicos crônicos. Para a constatação de feitos tóxicos crônicos faz-se necessário o monitoramento de parâmetros bióticos e abióticos locais por um período de tempo a variar entre 3 a 15 anos.

2º) Aduz ser possível que elementos pesados do óleo questionado tenham se aderido à partículas suspensas e se sedimentado no assoalho do oceano. Ressalta que a profundidade do Campo de Frade varia entre 1.050m, na fronteira ocidental do bloco, e 1.300m, na fronteira oriental do bloco, habitado pela fauna composta de bentos, em cujo grupo estão moluscos, crustáceos, equinodermos, poliquetos e cnidários e que o risco de contaminação por óleo da comunidade bentônica em águas profundas é mínimo. Esclarece que a possibilidade de prejuízos à essa fauna, se caracterizariam por efeitos de toxidade crônicos, por será a sedimentação um processo. Além disso, caso fosse constatada a presença de óleo no assoalho oceânico na região do Campo do Frade, seria difícil vincular o óleo depositado no fundo com o acidente em tela, visto que este poderia ter origem variada, considerando que as atividades naquele campo não são recentes.

3º) Quanto ao quesito acerca de morte de tartarugas marinhas pelo grande e excepcional movimento de embarcações ao longo da mancha de óleo, o perito afirma que não há registro sobre a ocorrência dessa espécie morta ou em condição de saúde desfavorável decorrente do vazamento de petróleo em apreço. Ressalta que para fins de análise de risco, faz-se imperioso conhecer ou ter dados suficientes para estimar.

4º) Em relação à morte de pássaros em decorrência da mancha de óleo dessa magnitude, o laudo esclarece que, hipoteticamente, manchas de magnitude maiores ou menores podem ocasionar a morte de pássaros. No entanto, conforme anotado ao longo da seção IV ¿ Exames, especialmente item IV.4.B ¿ Aves costeiras e marinhas, não há registro sobre a ocorrência de espécime de ave marinha morta ou em condição de saúde desfavorável decorrente do vazamento de petróleo em apreço.

Em resumo, pode-se afirmar, com carradas de certeza, que a magnitude do vazamento de óleo não foi capaz, certamente por ter ocorrido em alto mar, de causar poluição ambiental penalmente relevante, pois tal fato dependeria, a teor do art. 54 da Lei n. 9.605/98, das seguintes consequências:


1o) danos ou possibilidade de danos à saúde humana; ou
2o) mortandade de animais; ou
3o) destruição significativa da flora ou
4o) dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral.


Friso, não há nos autos nenhuma prova, por mais tênue que seja, da ocorrência de algum desses eventos.  Mesmo sob a perspectiva da mera possibilidade de danos à saúde humana, não se pode dizer que houve a realização do tipo penal, pois se por um lado se está diante de um crime de perigo abstrato, na medida em que a consumação do crime pressupõe que a poluição atinja determinados níveis de nocividade, não se terá praticado o delito se, na atualidade, aquele patamar (possibilidade danos à saúde humana, mortandade de peixes ou a destruição significativa da flora) não foi.

Conclusão: falta, assim, a prova da materialidade indispensável para a aceitação da Denúncia.  Também por esse motivo, é de ser rejeitada a acusação por conta de uma suposta, mas não existente, poluição ambiental penalmente relevante.


Uma última palavra, mas de importância estritamente técnico-jurídica, diz com a tipificação dada ao suposto delito ambiental pelo MPF.   Nas folhas 36 e 45 da Denúncia, o Parquet imputa a todos os Réus os crimes previstos nos arts. 54, caput, e 54, §2o, V, da Lei n. 9.605/98.  Parece evidente erro técnico de redação, porquanto o parágrafo 2o é a forma qualificada do delito descrito no caput do artigo 54, que faz aumentar a sanção penal quando a poluição (descrita no caput) tenha sido causada pelo lançamento de determinadas substâncias, dentre as quais o óleo.   Sinceramente, não acreditamos, dada a elementariedade do assunto sob o aspecto jurídico-penal, que o MPF tenha, realmente, pretendido imputar aos Réus o crime do art. 54, caput, mais um ¿crime¿ para o qual sequer há conduta humana definida no inciso V do parágrafo 2o desse mesmo dispositivo legal, mas apenas a causa mecânica do evento danoso.  Por tal razão, nos reservamos a não analisar mais a fundo o tema.

Imputação descrita na Denúncia para o crime previsto no art. 60 da Lei n. 9.605/98

Novamente, todos os Réus são acusados de outros crimes ambientais.  Agora cuida-se do delito tipificado nos art. 60 da Lei n. 9.605/98, que tem a seguinte redação:

Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Destacamos algumas reflexões feitas na Defesa da CHEVRON BRASIL UPSTREAM FRADE LTDA que, por coincidirem exatamente com a posição deste Juízo acerca do tema, será parcialmente reproduzida a seguir.

¿Como não se está tratando de ¿construir¿, ¿reformar¿, ¿ampliar¿ ou ¿instalar¿ atividade potencialmente poluidora, o único núcleo objetivo de que se poderia cogitar seria ¿fazer funcionar¿.  Outrossim, como não se trata de ¿obras¿ ou de ¿serviços¿, só se pode falar em ¿estabelecimento¿.  O único estabelecimento que se ¿fez funcionar¿, de acordo com o caso presente, foi a sonda SEDCO 706, de propriedade da denunciada Transocean Basil Ltda.

Apenas uma rápida observação.  Não seria por demais estranho subsumir, abstratamente, a conduta de perfuração de poço de petróleo no verbo ¿instalar¿.   Afinal, numa análise imediatista, não se pode descartar a ideia de que se desenvolvia no Campo de Frade a instalação completa de um estabelecimento potencialmente poluidor, assim entendido o conjunto de atos de disposição dos equipamentos (plataforma e acessórios) para a futura prospecção de petróleo.

Seguindo na transcrição, a Defesa mais adiante faz estes comentários ainda acerca da tipicidade:

Não se pode dizer, porém, que o funcionamento do estabelecimento tenha ¿contrariado normas legais e regulamentares pertinentes¿, eis que a denúncia em momento nenhum se refere a isto.  Da mesma forma, é igualmente impróprio aludir à falta de ¿licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes¿, posto que a Reqte.: 1) tinha licença do IBAMA para operar (cf. doc. n. 6); 2) além de ser operadora da concessão do campo de Frade (cf. contrato, doc. n. 4), o que lhe autorizava explorar os recursos naturais existentes na Plataforma Continental, notificou regularmente a ANP a respeito da perfuração (cf. doc. n. 5); e 3) a sonda SEDCO 706 estava licenciada a operar e, como embarcação que é, possuía inscrição regular na Marinha do Brasil (cf. fls. 1.262).

Para completar, conforme exaustivamente visto alhures e resumidamente no item anterior, a sonda SEDCO 706 não estava em território nacional, e o referido delito prevê, como elemento típico, que o fato tenha ocorrido ¿em qualquer parte do território nacional¿.

O problema realmente insuperável diz com o local do crime.  O art. 60, como se leu, faz do território nacional um elemento normativo do tipo penal. O significado dessa expressão é extraído da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrado em 10/12/1982, internado pelo Decreto n. 1.530/95, e da Lei n. 8.617/93.

A Convenção fixa o limite exterior do mar territorial em 12 milhas náuticas (22 Km), definido-o como uma zona marítima contígua ao território do Estado costeiro e sobre a qual se estende a sua soberania.  Estabelece a zona econômica exclusiva (ZEE), tendo como limite externo uma linha a 200 milhas náuticas da costa e como limite interno a borda exterior do mar territorial, na qual o estado costeiro tem soberania no que respeita à exploração dos recursos naturais na água, no leito do mar e no seu subsolo, além de exercer jurisdição em matéria de preservação do meio ambiente, investigação científica e instalação de ilhas artificiais.

 Por sua vez, a Lei n. 8.617/93, em consonância com a norma de direito internacional, volta a reafirmar que ¿o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil¿ (art. 1º, caput), até onde vai a soberania do Estado Brasileiro (art. 2º) e que a ¿zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial¿ (art. 6º).

A propósito, a Resolução Conama n. 398/08, que dispõe sobre o conteúdo mínimo do Plano de Emergência Individual para incidentes de poluição por óleo em águas sob jurisdição nacional, originados, inclusive, em plataformas, circunscreve o mar territorial às ¿águas abrangidas por uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de base reta e da linha de baixa-mar, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil¿ (art. 2°, XVI).

Portanto, o território brasileiro, avançando-se para o mar, se estende, apenas, até as 12 primeiras milhas náuticas.  Além desse perímetro são águas internacionais, não obstante por tratados internacionais cada estado costeiro exerça jurisdição e tenha direitos e deveres sujeitos a certos condições.  Desse modo fica claro que exercer a jurisdição, inclusive criminal relacionada à proteção do meio ambiente, não denota, por isso só, que ali é território nacional.  Essa regra não é novidade, aliás, já estava prevista no art. 7º, II, aliena a, do Código Penal.

A Zona Econômica Exclusiva, onde ocorreu o acidente, é área de interesse nacional, não território nacional!

A considerar que o ponto no Campo de Frade onde estava sendo perfurado o poço 9FR50DPRJS está localizado a cerca de 117 Km da costa, cerca de 63 milhas náuticas, já que 1 MN = 1,852 Km, conclui-se que o local do fato está fora do território nacional.  Sendo assim, é atípica a conduta atribuída aos Réus e, por isso, falta justa causa para a Denúncia sob esse específico aspecto.

A imputação descrita na Denúncia para o crime previsto no art. 68 da Lei n. 9.605/98

No final da Denúncia o MPF saca da Lei de Crimes Ambientais a imputação contra vários funcionários da CHEVRON pela prática do crime de que trata o art. 68 da Lei n. 9.605/98, que tem a seguinte tipificação penal:

Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.


Ao que tudo indica, as condutas que a Denúncia supostamente cataloga nesse artigo da Lei de Crimes Ambientais foram descritas nos dois primeiros parágrafos da folha 21, onde o MPF, após elencar a CHEVRON e diversos Réus pessoas físicas, todos vinculados à pessoa jurídica, faz os seguintes comentários:

¿...para além da poluição causada com as atividades desenvolvidas pela sonda em comento, deixaram, ainda, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental e dificultaram a fiscalização do Poder Público.

    Isto porque sonegaram e dificultaram o acesso dos órgãos ambientais e/ou licenciadores competentes às informações, documentos, imagens etc, almejando se furtarem à fiscalização estatal em suas atividades, especialmente após a ocorrência dos fatos ora narrados.  Ademais, não deram resposta imediata para minimizar os danos ocasionados ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de enviarem resíduos provenientes do vazamento de petróleo para empresa sem condição de providenciar destinação final ambientalmente adequada¿.

Descartando-se o ato de sonegar e dificultar aos órgãos públicos o acesso a documentos e imagens, que mereceu do MPF a dupla tipificação nos arts. 299 do Código Penal e 69, caput, da Lei n. 9.605/98, restam, então, para o art. 68 da Lei de Crimes Ambientais estas duas condutas:

A) não dar resposta imediata para minimizar os danos ocasionados ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e

 B) enviar resíduos provenientes do vazamento de petróleo para empresa sem condição de providenciar destinação final ambientalmente adequada.

Além disso, não se pode descartar uma possível intenção de o MPF subsumir no mesmo tipo penal o fato narrado no último parágrafo da folha 10.  Nessa parte da Denúncia, o Parquet faz uso da expressão ¿silêncio criminoso¿ quando cita a falta de comunicação do vazamento aos órgãos competentes, e não se pode dar deixar de lado, devido à magnitude do fato, a alusão, explícita, feita por um Procurador da República, a algo que seja criminoso.  Este é o trecho da Denúncia:

¿O derramamento de petróleo não foi percebido e, logo, nem comunicado por terceiros, uma vez que ocorreu a uma distância considerável da costa.  Tal circunstância agrava ainda mais o fato de a denunciada CHEVRON não tê-lo feito, dado que a referida comunicação integra o rol de seus deveres.  Com efeito, os procedimentos concernentes às situações deste jaez são preconizados no próprio P.E.I. ¿ Plano de Emergência Individual ¿ da denunciada.  Pelo contrário, optou a ré CHEVRON por permitir, por meio de seu silêncio criminoso, que o vazamento continuasse sem controle.  Fez-se necessário que fosse a denunciada instada (do que já sabia), pela PETROBRÁS, sobre a existência de ¿mancha-órfã¿ (terminologia petroleira para indicar mancha proveniente de derramamento de petróleo, visível sobre o mar e de grandes dimensões) nas proximidades do poço que estava sendo perfurado no Campo de Frade¿.

Sendo assim, também acrescentamos mais à seguinte conduta ao rol de das que, muito provavelmente, tenham sido catalogadas pela Denúncia no âmbito do art. 68 da Lei n. 9.605/98 mais a seguinte:

C) não comunicar o vazamento de petróleo bruto aos órgãos competentes.

Muito embora a interpretação mais evidente do art. 68 indique um crime estritamente omissivo, traduzido no contexto de deixar de fazer, o tipo objetivo, construído com o propósito de incriminar a frustração de um especial dever, legal ou contratual, atrai para a influência penal tanto o descumprimento de obrigações de fazer como o de obrigações de não fazer, pois ambas refletem a não concretização do que é imposto àquele que está obrigado a cuidar do meio ambiente.  Assentada essa premissa, não vejo como descartar, pelo menos numa análise imediata e superficial do tema, as condutas descritas nas letras A, B e C.

Uma interessante característica do tipo penal é reunir no mesmo dispositivo elementos linguísticos que o tornam extremamente impreciso na descrição da conduta incriminada.  A expressão ¿dever legal ou contratual¿  remete à figura da norma penal em branco, enquanto o conceito juridicamente indeterminado ¿relevante interesse ambiental¿  denota um tipo penal aberto dada o elevado grau de vaguidade semântica.

As expressões usadas, concomitantemente, tornam insuficiente a especificação, numa outra fonte de direito, apenas do dever imposto, pois, mais que isso, exige que a obrigação do agente se destaque, pela sua importância, dentre as obrigações de caráter ambiental.  Afinal, o legislador qualificou o interesse público a lançar mão do advérbio relevante para definir, minimamente, o interesse ambiental a que se empresta relevância penal.

Ora, se a Constituição Federal de 1988 impõe a todos o dever de defender e preservar o meio ambiente (art. 225, caput), dado que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de terceira geração (STF, MS n. 22.164), qualquer dever de conservar ou recompor o meio ambiente já integra, por si só, a classe de interesse público.  Tout court !

Com isso, não basta que uma outra fonte de direito especifique o dever que é exigido do agente, o que seria suficiente para uma norma penal em branco.  Para o art. 68 da Lei n. 9.605/98 é essencial, tendo em vista o elevado grau de abertura do tipo penal, que se atribua, expressamente, ao dever, legal ou contratual, o qualificativo de relevante interesse ambiental, do contrário a frustração do dever de caráter ambiental não passará de ilícito administrativo por não subsunção, precisa, no texto da norma penal incriminadora.

Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel, no livro Crimes Ambientais, chegaram à mesma conclusão.  Os autores apontam que apenas em relação ao trato dos resíduos sólidos, porquanto o art. 52 da Lei n. 12.305/10 teria especificado os deveres previstos nos artigos 23, caput, e 39, §2º, como de relevante interesse ambiental, é que haveria tipicidade suficiente para a repressão penal.  Estes dispositivos legais, que estabelecem deveres de relevante interesse ambiental, têm a seguinte redação:

Art. 23.  Os responsáveis por plano de gerenciamento de resíduos sólidos manterão atualizadas e disponíveis ao órgão municipal competente, ao órgão licenciador do Sisnama e a outras autoridades, informações completas sobre a implementação e a operacionalização do plano sob sua responsabilidade.

e

Art. 39.  As pessoas jurídicas referidas no art. 38 são obrigadas a elaborar plano de gerenciamento de resíduos perigosos e submetê-lo ao órgão competente do Sisnama e, se couber, do SNVS, observado o conteúdo mínimo estabelecido no art. 21 e demais exigências previstas em regulamento ou em normas técnicas.

§ 2o  Cabe às pessoas jurídicas referidas no art. 38:

I - manter registro atualizado e facilmente acessível de todos os procedimentos relacionados à implementação e à operacionalização do plano previsto no caput;

II - informar anualmente ao órgão competente do Sisnama e, se couber, do SNVS, sobre a quantidade, a natureza e a destinação temporária ou final dos resíduos sob sua responsabilidade;

III - adotar medidas destinadas a reduzir o volume e a periculosidade dos resíduos sob sua responsabilidade, bem como a aperfeiçoar seu gerenciamento;

IV - informar imediatamente aos órgãos competentes sobre a ocorrência de acidentes ou outros sinistros relacionados aos resíduos perigosos.

Na legislação há apenas outro dever ambiental considerado especialmente caro para que fosse designado, explicitamente, de relevante interesse ambiental, mas que, evidentemente, não se aplica ao caso de petróleo exsudado para o mar  Refere-se aos deveres impostos pela Resolução Conama n. 369/06, em contrapartida à autorização de intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente ¿ APP .

Um poço reservatório de petróleo obviamente não é uma Área de Preservação Permanente.   APP é, conforme o Código Florestal Brasileiro, toda área enquadrada nos arts. 2o e 3o da Lei n. 4.771, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

O resíduo sólido, de acordo com o art. 3°, inciso XVI, da Lei n. 12.305/2010 , compreende os restos, em qualquer estado físico, oriundos das atividades humanas em sociedade (industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição). Petróleo bruto exsudado do reservatório natural para o oceano, mesmo por força de erros de interpretação das condições geológicas do poço, não se insere na categoria de resíduo sólido, pois não se pode considerá-lo como resto do processo industrial de alteração ou fabricação de bens.

De qualquer maneira, mesmo que se considere o petróleo exsudado como resíduo sólido, apenas para efeito de testar a subsunção do fato no art. 68 da Lei n. 9.605/98, a única conduta que se encaixaria, em tese, a esse crime ambiental seria a destacada na letra c, acima, que remete ao descumprimento do dever de informar imediatamente aos órgão competentes o acidente relacionado a resíduos perigosos (art. 39, §2o, IV, da Lei n. 12.305/10).

Todavia, esse exercício subsuntivo falha logo que se passa à fase de verificação da materialidade do delito.  Para começar, convém fixar que acidente ou sinistro é o evento danoso de caráter ambiental, pois não se pode perder de vista que a capitulação penal, neste caso, pressupõe a violação a dever de relevante interesse ambiental (art. 68 da Lei n. 9.605/98).  Sendo assim, o único evento que tomou lugar na cadeia dominó do incidente e atende a essa condição é o derramamento de óleo bruto no mar oceânico, denominado blowout.

O Relatório Final da ANP identificou todos os eventos relacionados ao acidente,  e nesse documento perceber-se, facilmente, que é errado falar em atraso na resposta de combate ao vazamento, pois, muito pelo contrário, a CHEVRON tentou, desde o instante posterior ao kick fechar o poço para evitar a perde de óleo.   Entretanto, foi a dificuldade de a empresa compreender o tipo de situação que estava enfrentando, pois enquanto acreditava estar diante de um blowout tradicional, hipótese em que o petróleo escorre pela cabeça do poço, o que verdadeiramente acontecia era um underground blowout, perda de óleo cru por uma fissura localizada na base do poço, que levou ao agravamento da situação.

A prova mais palpável do equívoco foi o tempo que a CHEVRON perdeu monitorando a cabeça do poço na falsa crença  de que o fechamento no anular superior do BOP (Blowout Preventer, conjunto de válvulas que impedem que haja influxo pela cabeça de poço para a superfície) estacanria o vazamento do petróleo.  Esse procedimento foi realizado logo após os técnicos de operação da empresa terem percebido o kick.  Além disso, nos momentos imediatamente seguintes foram realizadas diversas ações para apurar a o que, de fato, se passava, como, também, conter alguma perda de óleo, tal como as manobras de tentativa de circulação do poço pelo método do sondador e de redução da vazão da bomba, mas que, por causa do underground blowout, não deram resultado positivo.  Diante de todas essas experiências frustrantes, a CHEVRON partiu para o procedimento de bullheading (bombear a lama, pela coluna de perfuração ou pelo anular, para forçar o fluido do kick de volta para a formação), mas que, evidentemente, só faria sentido caso se tratasse de blowout tradicional, mas seria em vão numa situação de underground blowout.

A iniciativa da CHEVRON está documentada nos seguintes períodos do Relatório Final da ANP (fls. 611/614):

Quando o reservatório N560 (topo previsto a 3.319 m MD) estava sendo perfurado, foi detectado na sonda um kick de 4 bbl. Esse trecho do reservatório tinha previsão de pressão de formação, conforme a modelagem da Chevron, de -100 psi (depletado) a +300 psi (peso de lama equivalente de 9,4 ppg). A seguir, foi efetuado o flow check (teste de fluxo), sendo detectado um ganho de aproximadamente 14 barris em 4 minutos, confirmando-se assim o kick, sendo o poço fechado no anular superior do BOP. Foram monitoradas as pressões de fechamento no anular (SICP) e na coluna de perfuração (SIDPP), necessárias para os cálculos de circulação do kick, além da pressão de fechamento do sensor de pressão instalado no BOP.

A análise das documentações coletadas durante as ações de fiscalização indica que, aproximadamente às 13h21 do dia 7/11/2011, iniciou-se o downlink da ferramenta direcional, ocasionando uma variação da vazão de lama de circulação e, consequentemente, do ECD (Equivalent Circulation Density) durante a perfuração. Os registros de bordo indicam que, durante a execução deste downlink, houve um aumento no nível do tanque de lama ativo, indício da ocorrência de um kick, conforme ilustrado na Figura 9 abaixo:

Detectado um incremento de 4 bbl no tanque de lama ativo pelo sondador, iniciou-se o procedimento de fechamento de poço, sendo executado o posicionamento da coluna de perfuração no BOP (space-out). Em seguida, as bombas de lama foram desligadas e o fluxo foi direcionado para o trip tank, para a realização do teste de fluxo (flow-check), sendo observado um ganho de 14 bbl, totalizando 18 bbl de ganho de influxo, sendo o poço fechado pelo anular superior, usando o procedimento de hard shut-in.

A coluna de perfuração estava equipada com uma ¿float-valve¿ (válvula de retenção de fluxo), e as pressões de fechamento foram monitoradas. A tabela II abaixo apresenta o acompanhamento das pressões de fechamento.

Às 14h40, foi iniciada a primeira tentativa de circulação pelo método do sondador, que não obteve sucesso, pois praticamente não se observava retorno. Foram bombeados 110 barris de lama a uma vazão de 30 spm (3 bbl/min), com uma pressão inicial de circulação de 360 psi, retornado 5 bbl. A pressão do anular, quando da abertura em 1/8 da válvula da linha de choke, caiu de 90 psi para 20 psi, permanecendo constante para qualquer alteração na abertura ou fechamento desta válvula. Foi tentada uma redução da vazão da bomba, também sem sucesso, na expectativa de obtenção de retorno na superfície.

No dia 8/11/2011, foram realizadas mais 3 (três) tentativas de circulação pelo método do sondador, todas sem sucesso. Às 3h30, a equipe de perfuração começou a aumentar o peso de lama para 10,1 ppg e a preparar as ¿pílulas¿ de alta viscosidade (Hi Vis) e LCM (Loss Circulation Material), para combate da perda de circulação. Às 17h30, houve a decisão de realizar o bullheading com peso de lama de 10,1 ppg. O procedimento para matar o poço por bullheading foi iniciado às 19h00 desse dia 8/11/2011 e finalizado às 3h30 do dia 09/11/2011.

Segundo o boletim diário de perfuração do dia 9/11/2011, às 10h00 foi feita uma circulação de 128 bbl de fluido de perfuração pela linha de choke, com densidade de 10,1 ppg, com retorno pela linha de kill, sendo identificados traços de óleo, o que seria um forte indício de que a operação de bullheading não obteve sucesso.

 Este quadro, copiado do mesmo Relatório Final da ANP, consegue retratar mais detalhadamente as ações implementadas pela CHEVRON entre o dia 07 e 10 de novembro de 2011:

Período após início do incidente

Data
Horário
Ocorrência

07/11/2011
13:30
Primeira observação de kick: observação de ganho de 4 bbl durante perfuração da seção sinusoidal de 8 1/2" do poço. (3.329 m (MD), após 272 m perfurados neste poço). Após desligamento das bombas e realização de teste de fluxo, verificou-se um ganho de 14 bbl em 4 min. O poço foi fechado no preventor anular do BOP. Densidade da lama era de 9,5 ppg.

07/11/2011
14:30
Tentativa de circular o kick por meio do método do sondador. Bombeados 115 bbl e recebidos de volta apenas 3 bbl (perda de 112 bbl - Indícios de fratura da formação).

08/11/2011
10:00
Petrobras (ativo de Roncador) observou mancha de óleo de origem desconhecida.

08/11/2011
15:30
Após 3 tentativas de matar o poço sem sucesso, pelo método do sondador, aumentou-se o peso da lama para 10,1 ppg.

08/11/2011
17:30
Foi tomada a decisão de iniciar procedimento de bullheading no poço.

08/11/2011
19:00
Iniciado o bullheading a 30 spm (strokes per minute). Total de 2 bullheading com duração de 2,5 horas cada e perda de 850 bbl para a formação nas últimas 24 horas.

09/11/2011
03:30
Realizado o terceiro procedimento de bullheading, completando a operação planejada. Pressões monitoradas.

09/11/2011
10:00
Durante circulação da linha de kill para a linha de choke, foram encontrados traços de óleo no mud tank, indicando que o poço ainda não estava amortecido.

09/11/2011
14:00
Chevron identificou, por meio de ROV, fluxo de óleo no fundo do oceano, próximo ao poço 9-FR-50DP-RJS.

09/11/2011
18:30
O poço foi aberto e monitorado no trip trank. Observada a perda de 120 bbl em 1 hora.

10/11/2011
-
Monitorando o poço, completando o poço com fluido de perfuração (perda para a formação). Perda de 97 bbl nas últimas 24 h.

10/11/2011
madrugada
Wild Well Control, empresa especializada em controle de poço, é contactada pela Chevron.


Portanto, a CHEVRON assumiu as responsabilidades de concessionária do Poder Público e praticou as primeiras medidas para proteger o conteúdo do reservatório e o meio ambiente, mas, apesar de, não foram eficientes, tendo em vista que foram planejadas e dirigidas para um acidente com características diferentes.

Foi nesse panorama que, no dia 08/11/2011 a Petrobrás notificou a existência de uma mancha órfã entre os campos de Frade e de Roncador, e se suspeitou que tivesse origem em algum poço explorado pela CHEVRON.  Entretanto, embora a poluição sugerisse a exsudação no leito marinho, a Chevron só reclamou a culpa pelo evento às 14:00h do dia 09/11/2011, depois da filmagem submarina feita pelo ROV (veículo operado remotamente) configurar o acidente como um underground blowout, e algumas horas fez a Comunicação Inicial do Incidente (fl. 850-IPL).

A questão, agora, é saber a razão de a CHEVRON só ter comunicado aquilo que se apresentou como um verdadeiro acidente no dia 09/11/2011, embora o kick que indicou a perda de óleo reservatório tivesse sido constatado dois dias antes.  A resposta é simples: primeiro, porque o óleo só emergiu na superfície no dia 08; segundo, pois o aparecimento da mancha de petróleo ocorreu no Campo de Roncador, distante da Plataforma Sedco 706; terceiro, porque o kick nem sempre é seguido do blowout; e quarto, pois a CHEVRON acreditava, apesar de estar equivocada, que o poço estava vedado.

As fissuras, a exsudação e a origem do óleo, vazado do reservatório N560 do poço 9-FR-50DP-RJS, e a circunstância de se tratar de underground blowout somente foram descobertas depois de o ROV pesquisar o leito marinho no dia 09/11/2011, e tão logo isso aconteceu a CHEVRON comunicou oficialmente o vazamento à ANP e constatou, na madrugada do dia 10/11/2011, a única empresa com Know how para interromper, mediante o procedimento de dynamic kill, a perda de óleo do reservatório para a formação e daí para as águas marinhas, a Wild Well Control Inc.(WWCI).

Em termos jurídicos: o fato típico não aconteceu.  Não existe justa causa para a Denúncia.

Imputação descrita na Denúncia para o crime previsto no art. 69-A, §2º, da Lei n. 9.605/98

Neste caso, a acusação é feita em face destes funcionários da CHEVRON: GEORGE RAYMOND BUCK III, presidente, FLÁVIO MONTEIRO, gerente de segurança, saúde e meio ambiente, PATRÍCIA MARIA BACCHIN PRADAL, gerente de desenvolvimento de negócios e relações governamentais, e GARY EDWARDS, engenheiro e gerente do ativo do Campo de Frade.

O art. 69-A e o respectivo §2º da Lei n. 9.605/98 estão redigidos da seguinte maneira:

Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa

§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.

No entanto, existem algumas dificuldades à subsunção de qualquer fato narrado na Denúncia ao tipo penal de que ora se cogita.  O art. 69-A foi acrescentado à Lei de Crimes Ambientais pela Lei n. 11.284/06 que trata, especificamente, da gestão de florestas públicas visando à produção sustentável.  O foco nas florestas circunscreve o âmbito de aplicação da norma penal.  Não é à toa, que o tipo objetivo se refere à licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental, e não faria sentido lógico-jurídico incluir na expressão licenciamento qualquer procedimento administrativo de caráter ambiental, mas restringir a aplicação da Lei às concessões florestais, de modo a excluir as demais espécies de contratos administrativos de uso de bens públicos (águas, recursos minerais etc).

Nesse mesmo sentido é a doutrina de Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel, que estabelecem como objeto jurídico da norma penal em apreço ¿o meio ambiente, bem como a regularidade do procedimento de licenciamento ou de concessão florestal ou de qualquer outro procedimento administrativo referente às florestas públicas¿.

Não bastasse isso, a Denúncia não aponta exatamente qual estudo, laudo e/ou relatório ambiental seria falso, pelo menos não correlaciona a imputação, feita no término da acusação, a alguma conduta descrita nas 35 páginas anteriores.  Essa precariedade fica mais difícil de superar na medida em que o delito é uma modalidade especial de falso que engloba, na mesma formulação típica, elementos que remetem à falsidade material e à falsidade ideológica, e não há referência específica à falsificação de algum documento, público ou privado, utilizado no processo de licenciamento ambiental ou à alguma declaração enganosa feita com o mesmo objetivo.

Mesmo assim, é possível que o MPF tenha se indisposto contra algumas declarações do Plano de Emergência Individual ¿ PEI ¿, já que tal documento se soma ao Estudo de Impacto Ambiental e ao Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a obtenção das licenças ambiental e de operação, conforme preconiza a Lei n. 9.966/00 e a Resolução n. 398/08 do CONAMA (art. 3o, caput).   O problema é que o PEI não constitui estudo (análise técnica), relatório ou laudo ambiental, mas apenas o delineamento das estratégias de combate à poluição .

Por esses motivos, falta justa causa para a Denúncia, pelo menos no tocante à imputação para o crime do art. 69-A da Lei n. 9.605/98.

Apenas a título de curiosidade, em duas partes da Denúncia alude-se a tal documento para dizer que: (a) a CHEVRON anteviu, diante de algum vazamento, recolher o óleo junto à água do mar poluída com seu contato, contudo, preferiu, depois do incidente, lançar mão do procedimento de dispersão mecânica (fl. 26) ou (b) que os Réus alegaram dispor de meios que não foram efetivados na íntegra (fl. 32).

Mas continua a dúvida, o quê processar?  Isso ou outra coisa não percebida por este Juízo?  Aquela ou esta declaração?  Pode até ser que as duas frases, apesar de estarem topograficamente distantes 6 folhas na Denúncia, sejam o complemento uma da outra.  Impossível saber.  A situação não seria sensível se a Denúncia contivesse apenas um fato associado a um único tipo penal.  Entretanto, o texto da acusação é repleto de fatos e cheio de tipos penais, sem estarem correlacionados de maneira direta e objetiva.

É difícil, senão impossível, saber exatamente o que julgar.  A dúvida escancara a inépcia da Denúncia.

Porém aventuremo-nos mais ainda.   Para começar ¿ tendo em consideração aquelas duas afirmações catadas na Denúncia ¿, é possível estabelecer que os supostos falsos são de caráter ideológico, porquanto teriam sido declarados pela CHEVRON no no Plano de Emergência Individual, ou seja, por quem tinha legitimidade para elaborar o documento.

Quanto à conduta relativa à operação de recolhimento ou dispersão do óleo, ambas são técnicas de despoluição previstas no PEI (fls. 68/72 do PEI, anexo a estes autos ¿ não sei o motivo, mas essa informação sequer é mencionada na Denúncia).  Lá está consignado que a dispersão mecânica é o método a ser usado quando a técnica do recolhimento  não seja recomendável, viável ou suficiente, o que ocorre, principalmente quando o mar está turbulento, tal como aconteceu do dia 14 a 17/11/2011 (fls. 733/738-IPL), enquanto nos demais momentos foi utilizado, exclusivamente, o processo de contenção e recolhimento, quando não em associação com o método de dispersão mecânica (fls. 725/759-IPL).  Portanto, não se trata de emitir uma declaração enganosa, como exige o art. 69-A da Lei n. 9.605/98, mas simplesmente de descrever duas formas diferentes, porém eficientes conforme as condições específicas da natureza, de responder ao derramamento de óleo cru no mar.  Conclusão: este fato é atípico sob a ótica do art. 69-A, §2o, da Lei n. 9.605/98.

A outra declaração, relativa à afirmação da CHEVRON de dispor de meios de combate à poluição que não foram efetivados na íntegra, tem alguns problemas que dificultam a subsunção ao art. 69-A da Lei de Crimes Ambientais, pois não está claro o quê de fato estimulou o MPF a fazer a acusação: se foi por acreditar que a empresa concessionária superestimou, maliciosamente, os recursos que efetivamente possuía e não os integralizou até o momento do acidente, ou mesmo que tendo os meios, não os aplicou imediatamente para diminuir a poluição.

Talvez a Denúncia tenha se apoiado na previsão de recursos para descarga de pior caso (mais de 251 metros cúbicos) previsto no Anexo B do PEI, que descreve o Dimensionamento da Capacidade Mínima de Resposta e Escalonamento da Disponibilização dos Recurso, onde está escrito que a primeira etapa do combate à poluição será feita com barreiras de contenção e ¿barcos de apoio em operação (um deles sempre dentro do raio de operação de 12 horas das unidades de perfuração e da FPSO) e embarcação dedicada à resposta de emergência junto à unidade de perfuração¿.

Acontece que, tão logo a causa e a origem do vazamento de óleo foram descobertas, em 09/11/2011, a CHEVRON pôs em prática o PEI à risca.  De imediato deu início à contenção e dispersão da mancha e contatou a empresa HIDROCLEAN, como, aliás, está previsto na página 47 daquele plano estratégico de ação, e no próprio dia 09/11/2011 este era o conjunto de navios dedicados à resposta ao vazamento:

EMBARCAÇÕES
ATIVIDADE

Fast Service
Navegando para o Campo de Frade

Campos Contender
Suporte e descarga do convés; prontidão no Campo de Frade

CBO Maricá
Navegando para o Campo de Frade

TS Fissurado
Prontidão no Campo de Frade e coleta de amostra

Maersk Retriever
Dispersão mecânica com equipamento de combate à incêndio

Maersk Rover
Dispersão mecânica com equipamento de combate à incêndio

C-Courageous
Dispersão mecânica com equipamento de combate à incêndio


 Esta última empresa, por sua vez, disponibilizou recursos materiais em quantidade proporcionalmente superior ao que o acidente demandava.

Em todo caso, aquela declaração tem feitio de compromisso assumido e não de afirmação de fato inverídico, portanto não se amolda à alteração de um fato juridicamente relevante, como se exige de um crime congênere ao de falsidade ideológica, de modo que não se pode dizer que se trata de uma declaração enganosa para efeitos penais.  Promessa não concretizada não é o mesmo que falso consumado.  A outra interpretação possível, no sentido de que a CHEVRON não empregou os meios que se comprometeu a empregar, mesmo os tendo, está no campo de influência das infrações administrativas, e não na esfera de incidência do crime de falso, tal como revela o art. 7o, §1°, da Lei n. 9.966/00 .

Por tais motivos, a Denúncia deve ser rejeitada, seja porque o fato é atípico, em se tratando do delito previsto no art. 69-A da Lei n. 9.605/98, ou porque é inepta, em virtude de não precisar objetivamente a conduta imputada aos Réus, seja porque falta de materialidade, já que o fato descrito no tipo penal não ocorreu na realidade.

A imputação descrita na Denúncia para o crime do art. 69 da Lei n. 9.605/98

Ainda na Lei de Crimes Ambientais, o MPF acusa os Réus GEORGE RAYMOND BUCK III, FLÁVIO MONTEIRO, PATRÍCIA MARIA BACCHIN PRADAL, GARY EDWARDS e a própria CHEVRON de dificultarem a fiscalização do Poder Público, estando, por essa razão, incurso nas sanções do art. 69 da Lei n. 9.605/98:

Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

A única referência direta à pratica do delito está nestes parágrafos da folha 21 da Denúncia:


¿...para além da poluição causada com as atividades desenvolvidas pela sonda em comento, deixaram, ainda, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental e dificultaram a fiscalização do Poder Público.

    Isto porque sonegaram e dificultaram o acesso dos órgãos ambientais e/ou licenciadores competentes às informações, documentos, imagens etc, almejando se furtarem à fiscalização estatal em suas atividades, especialmente após a ocorrência dos fatos ora narrados.  Ademais, não deram resposta imediata para minimizar os danos ocasionados ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de enviarem resíduos provenientes do vazamento de petróleo para empresa sem condição de providenciar destinação final ambientalmente adequada¿.

Não há descrição de conduta humana coincidente com fato típico, como determina o art. 41 do CPP para a formatação da Denúncia.  A redação torna incompreensível o objetivo do MPF.  Além do alto teor de abstração, o texto peca pela excessiva generalidade, pois em vez de afirmar, precisamente, o objeto material do delito, ou seja, aquilo que teria sido sonegado à fiscalização estatal, a acusação alude, simplesmente, à informações, documentos, imagens e termina com um etc.  A hesitação chegou a ponto de sequer se comprometer com a identificação do órgão requisitante: ambiental e/ou licenciador, mas de qual entidade da Administração Pública se está tratando?  Pior: qual seria o tal órgão licenciador, na medida que fica difícil supor se cuidar da ANP, pois o contrato para exploração de poço de petróleo é uma concessão (contrato, ato bilateral), e não licença (ato administrativo unilateral)?  Se a Denúncia pelo menos mencionasse a espécie de licença ficaria mais fácil adivinhar a entidade da Administração competente para o ato jurídico.

É provável que o MPF estivesse se referindo à não apresentação do conteúdo integral das imagens gravadas pelo Veículo Operado Remotamente (ROV) do ponto, no leito marinho, onde ocorreu a exsudação de petróleo, requisitas no dia 17/11/2011.  É que a Denúncia também faz a correspondência desse fato ao crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP), e não fere o senso comum tipificá-lo, também, no art. 69, caput, da Lei n. 9.605/98.  Todavia, isso é pura imaginação, o que não condiz com o exercício do processo penal.  Porém, se era essa a vontade do MPF, o fato deveria estar descrito na Denúncia com todas as respectivas circunstâncias.  Era de se esperar a menção ao ato de requisição, a descrição do conteúdo das informações prestadas pela CHEVRON etc.

A segunda conduta que, em princípio, poderia corresponder ao mesmo delito está descrita no primeiro parágrafo da folha 24 da Denúncia.  Eis o texto: ¿Em reunião na sede da CHEVRON, no Rio, em 13/11/2011, foi informado que havia um procedimento determinando a interrupção das atividades de injeção de água com 15 (quinze) dias de antecedência ao início da perfuração, caso ambas as atividades fossem no mesmo reservatório.  Os servidores da ANP solicitaram tal procedimento na ocasião, que, entretanto, não foi disponibilizado.  Durante a presente auditoria, a equipe da CHEVRON a bordo da FPSO Frade não tinha conhecimento de tal procedimento¿.  Entretanto, não se encontrou nos autos do Inquérito Policial prova que sustentasse essa acusação.  Não há cópia de algum ato que tenha requisitado o documento, nem indício que tenha, de fato, havido alguma determinação para que ele fosse mostrado.

Imputação descrita na Denúncia para o crime previsto no art. 2º, caput, da Lei n. 8.176/91 e no art. 55 da Lei n. 9.605/98

Pelo que se compreende da Denúncia ¿ não muito clara nesse ponto ¿, existe a chance de o MPF estar se referindo à intenção dos Réus de explorarem o petróleo contido em reservatórios da camada pré-sal, porventura localizados no Campo de Frade, como crime contra o patrimônio da União tipificado no art. 2o, caput, da Lei n. 8.176/91.  Chegamos a essa conclusão, ainda que provisória, depois da leitura desta parte da Denúncia:

¿Não seria desarrazoado afirmar que as denunciadas CHEVRON e TRANSOCEAN buscavam explorar a camada do pré-sal Brasileiro, tendo se lançado a perfurarem sem condições técnica e de segurança para isto.  A existência de uma continuidade de perfuração em limites além da profundidade do reservatório que dizia pretender perfurar inicialmente, com o estabelecimento de um saco de 500 m (saco é o nome técnico dado a uma perfuração de 5 a 15 metros de profundidade além dos limites do campo onde se está perfurando o poço, para garantir que sedimentos se acumulem ali) demonstra indícios de que não havia a intenção de parar a perfuração enquanto não se atingisse o pré-sal¿.  (folha 12)

O crime em apreço tem a seguinte descrição típica:

Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.   (Lei n. 8.176/91)

O objeto jurídico da norma penal é a proteção ao patrimônio federal.  Porém, o tipo penal não se contenta com a mera subtração do bem público, pois, em virtude da circunstância elementar ¿na modalidade de usurpação¿, exige que o ato de apoderar-se da coisa alheia aconteça com fraude ou violência.  Só assim mantêm-se a coerência linguística do texto jurídico com a semântica da palavra usurpação.  Não é à toa que a redação do tipo penal termina com elementos normativos que, nesse caso, remetem à ideia de clandestinidade do apossamento ilícito.  Algo semelhante se passa com a figura da usurpação de função pública prevista no art. 328 do Código Penal.

Entretanto, o exame das provas que instruem o processo mostra que, não só a exploração estava sendo exercida nos limites outorgados pela ANP, o que esvai qualquer suspeita de clandestinidade, como, também, não se destinava a atingir a camada pré-sal.  Nesse ponto é importante lembrar que abaixo do leito marinho as camadas se sucedem na seguinte ordem: camada pós-sal, camada de sal e camada de pré-sal.

A conclusão do MPF parte de uma falácia: a de que de a CHEVRON perfurava um poço de perfil vertical.  Baseado nessa premissa, o MPF somou as distâncias a partir do leito marinho e sacou da imaginação que a CHEVRON estava tentando atingir os reservatórios localizados na camada pré-sal.  Contudo, o poço 9-FR-50DP-RJS tem o perfil direcional, e não vertical, a significar que o objetivo da perfuração ¿ o reservatório ¿ não se encontra na mesma linha vertical da localização da sonda.  Então, as distâncias contadas a partir do leito marinho não podem ser somadas como se representassem planos verticais.  Essa importantíssima característica do poço está estamplada nitidamente no Relatório Final da Investigação do Incidente de Vazamento de Petróleo no Campo de Frade feito pela ANP, com se lê no seguinte trecho (folha 596):

O poço 9-FR-50DP-RJS é classificado como ¿especial¿, direcional e partilhado (sidetrack do poço 9-FR-46D-RJS). (¿)  O objetivo era o reservatório N545, atravessando os reservatórios N560 e N570. A profundidade final prevista medida seria de 3.835,9 m (MD) (2.550,0 m TVD), que não foi atingida devido ao acidente.

Os reservatórios N570 e N560 não se localizam exatamente um sob o outro, embora haja uma diferença métrica vertical entre eles.  No mesmo Relatório Final da ANP, há uma figura que retrata a interpretação baseada em dados sísmicos processados do perfil geológico das formações existentes naquela região do Campo de Frade, e na qual é nítida posição de cada um desses reservatórios em relação ao outro (fl. 601).

A sequência de eventos ocorridos no dia do incidente mostra de forma bem clara o ponto em que estava a perfuração, mas antes é preciso explicar dois conceitos fundamentais de perfurações de poços direcionais: o MD e o TVD.  MD, do inglês measured depth, que é português é traduzido como profundidade medida, representa a distância que a broca percorre ao longo da trajetória directional, e não vertical.  TVD, do inglês true vertical depth, que é em português quer dizer profundidade vertical real, constitui a distância vertical da mesa rotativa à broca em um dado ponto.  Assim, nos poços de perfil direcional, a MD é maior que a TVD.

  Continuando, os dados a seguir também foram retirados do Relatório Final da ANP. No dia 07/11/2011, foram perfurados o topo e a base do reservatório N570.  O topo desse reservatório fica a 2.968 metros MD (measured depth) e a base, a 3.027 metros MD. O kick foi percebido quando o reservatório N560 estava sendo perfurado, e como o kick aconteceu assim que a broca penetrou o reservatório N560, cujo topo está a 3.319m MD, fica claro que o percurso de perfuração atingiu 3.319 metros MD, que corresponde a 2.300 metros TVD.

Ora, se a CHEVRON estava autorizada à perfurar o poço 9-FR-50DP-RJS, que serviria de poço sidetrack para atingir o reservatório N545, notoriamente localizado na camada pós-sal, cuja base está na profundidade prevista de 3.835,98 metros, conforme registrado na Notificação de Perfuração de Poço expedido pela ANP (fl. 411), não há qualquer sentido falar que no momento do incidente se desenvolvia a exploração clandestina do petróleo da camada pré-sal, o que também exclui a capitulação do fato no art. 55 da Lei n. 9.605/98, assim redigido:

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

A questão ainda pode ser encarada sob outro enfoque.  As concessões para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo impõem ao concessionário ¿ no caso a CHEVRON ¿ a obrigação, em caso de êxito, a produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco (art. 26, caput, da Lei n. 9.478/98) .  A considerar que bloco é a parte de uma bacia sedimentar, formada por um prisma vertical de profundidade indeterminada (art. 6°, XIII, da Lei n. 9.478/98) , é evidente, e absolutamente induvidoso, que a CHEVRON tinha, mais do que o direito, a obrigação de explorar e produzir o petróleo que encontrasse ao longo de todo o plano vertical de profundidade do bloco que lhe foi outorgado pela ANP, inclusive o pré-sal, mas desde que fosse deferida pelo Órgão Regulador depois de apresentada a licença ambiental, que, nessa hipótese, seria para a ANP um ato vinculado, já que a CHEVRON contava com a aprovação expressa do IBAMA.

Veja-se, a propósito, a solicitação de renovação da Licença de Operação que a CHEVRON protocolou no IBAMA em 28/06/2011 (fls. 415/422).  Nesse documento, a empresa informou, explicitamente, que também estava considerando no ¿planejamento do desenvolvimento da perfuração do Campo de Frade, a realização de um poço atingindo a sua camada pré-sal na área¿ (fl. 418), com previsão da fase riseless para o período de 12 a 16 de agosto de 2011 e o restante do poço até o abandono estimado para dezembro de 2011 a marco de 2012 (fl. 422).

Enfim, não havia nada de clandestino na intenção da CHEVRON em desenvolver a perfuração até a camada pré-sal.  Mas de qualquer modo, é inegável que o incidente ocorreu na tentativa de se chegar até o reservatório N545 que integra o conjunto de poços localizados ainda na camada pós-sal.



A imputação do crime de Dano (Art. 163 do Código Penal)

De acordo com a Denúncia, as jazidas de petróleo e todos os poços perfurados possuem a natureza de bens da UNIÃO, nos temos do art. 20, V e IX, da Constituição Federal, e o direito que assiste à Concessionária, por força das obrigações contratuais assumidas perante o Poder Concedente, é o de realizar a exploração econômica com estrita observância dos procedimentos e das melhores práticas, de modo a preservar a integridade do patrimônio público, sob sua responsabilidade.

Aduz que a jazida,  considerada em todo seu potencial de exploração, possui expressão monetária estimada em milhões de reais.  Logo, o acidente protagonizado pelos Denunciados, que teriam agido sem a observância das normas que regulam a exploração petrolífera, causou prejuízos geológicos à rocha reservatório, o que provavelmente diminui-lhe a potencialidade exploratória.  Em seguida, argumenta que o derramamento de óleo de propriedade da União, desde o dia 07/11/2011, e novamente a partir de 15/03/2012, provavelmente não será contido, para no final concluir que, ¿à passagem do tempo, os danos ao patrimônio da União, além de extensos, tornam-se irreversíveis¿.

Por esses fatos, o MPF imputa aos Réus a prática do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, certamente, também, porque a Acusação entendeu que a perfuração do poço danificou a estrutura rochosa do reservatório, com derramamento de petróleo ao mar, que, assim, perdeu significativo potencial econômico

A abordagem da Denúncia relativamente à imputação do crime de dano pode ser feita sob as perspectivas objetiva e subjetiva da tipicidade.

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

No tocante ao aspecto objetivo, o crime de dano pressupõe a destruição, a inutilização e a deterioração da coisa.  As três expressões, que correspondem ao núcleo do tipo penal, representam resultados substancialmente diferentes; nenhuma delas é sinônimo da outra.  Destruir, significa eliminar, destroçar, estraçalhar o bem, ou seja, a ação humana atinge a coisa na sua própria essência.  Inutilizar é tornar o bem imprestável mesmo sem destruí-lo, fazendo com que a coisa perca sua utilidade objetiva.  Deteriorar exprime a ideia de arruinar, estragar, levar o objeto ao estado de ruína ou de decomposição, de forma a torna-lo impróprio para o fim a que se destina.

Entretanto, a Denúncia não se comprometeu com ônus de especificar em que verbo(s) estaria(m) classificada(s) a(s) conduta(s) dos Réus.  Limita-se, apenas, a fazer duas afirmações bastante reticentes, senão inseguras, de que ¿o acidente protagonizado pelos denunciados, causou prejuízos geológicos à rocha reservatório, o que provavelmente diminui-lhe a potencialidade exploratória¿ e ¿o derramamento de óleo provavelmente não será contido.  Em assim sendo, à passagem do tempo, os danos ao patrimônio da União, além de extensos tornam-se irreversíveis¿ (fl. 34).

Em se tratando de crime material, é imprescindível a certeza do resultado, afinal este faz parte da descrição típica do delito.  Todavia, a Acusação não chega a narrar o que efetivamente aconteceu, pois limita-se a afirmar as prováveis consequências do incidente.  O certo é que nem um nem outro dos vaticínios vociferados na Denúncia vieram, realmente, a acontecer, pois, conforme a ANP, a exsudação de petróleo foi estancada e o poço em questão, identificado por 9-FR-50DP-RJS, está prestes a vir ser reativado.

A esta altura sabe-se que o reservatório N560 perdeu pouquíssima quantidade de petróleo bruto e que o poço 9-FR-50DP-RJS poderá ser reativado assim que a CHEVRON requerer a revogação do ato que, a seu pedido, suspendeu a respectiva exploração e apresentar o plano de atividades.

A outra abordagem refere-se à averiguação do elemento subjetivo do tipo penal.  O crime de dano não tem outra modalidade senão a dolosa.  Portanto, para sua configuração é necessário que o agente tenha a vontade de (dolo direto), ou assuma o risco (dolo eventual) de com sua conduta, destruir, inutilizar ou deteriorar a coisa alheia.

Nesse ponto, a Denúncia padece de uma inconsistência invencível: a incompatibilidade entre a exploração econômica levada a efeito pelas empresas envolvidas nestes eventos e o comportamento doloso de danificar o objeto econômico dessa própria atividade.  Essa incongruência já foi examinada no tópico desta Decisão que tratou dos crimes ambientais.  Ali foi demonstrado que a perda do poço ou de seu conteúdo, mais do que uma externalidade negativa da atividade petrolífera, representa a aniquilação intencional do próprio negócio, e por constituir, dessa forma, uma das circunstâncias elementares do tipo penal de dano, jamais poderia, aprioristicamente, ser presumida, salvo a existência de substanciais provas em sentido contrário, sob pena de abuso do poder de acusação.

Na melhor das hipóteses, a Denúncia confunde a figura do dolo eventual com a da culpa consciente.  Assumir o risco de produzir o dano, na formulação do art. 18, I, segunda parte, do Código Penal, significa que o agente representa seriamente o resultado, mas não atua de maneira a evitá-lo, não fazendo qualquer diferença a sua ocorrência ou não.  Enfim, o agente tolera o resultado, se conforma com as consequências de sua ação.  Na culpa consciente, apesar da previsão do resultado, o agente não o deseja, tampouco o tolera, na realidade confia, ainda que levianamente, que a fatalidade não acontecerá.  E contraria o senso lógico que as decisões da empresa, depois de calculado os riscos da operação, são tomadas levianamente sem se dar importância ao resultado da exploração econômica.  Neste ponto, remetemos a Decisão para a parte em que se analisa o crime do art. 54 da Lei n. 9.605/98, especificamente na parte que investiga a questão do elemento subjetivo.

Isso serve ao propósito de evidenciar que nenhum dos Réus assumiu o risco de produzir qualquer tipo de dano (destruição, inutilização ou deterioração) do poço de petróleo ou do respectivo potencial econômico.  Uma relevante prova indiciária  disso é que as empresas CHEVRON e TRANSOCEAN continuam operando na indústria petrolífera e só dependem da autorização da ANP para recomeçar os trabalhos de exploração do poço 9-FR-50DP-RJS do Campo de Frade.

Tais observações são suficiente para rechaçar a Denúncia, por falta de justa causa (CPP, art. 395, III) especificamente na parte que trata do crime de dano.

A imputação do art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica)

O MPF notou no Inquérito Policial que duas condutas se amoldariam ao crime de falsidade ideológica, tipificado no art. 299 do Código Penal: 1a) entrega ao Órgão Regulador da versão editada dos vídeos do vazamento de petróleo, gravados pelo Veículo Operado Remotamente ¿ ROV (na sigla em inglês) ¿, conquanto agentes da ANP tenham requisitado a versão integral e 2a) prestação de informações falsas à ANP relativas a recursos materiais.

As imputações são feitas a estes funcionários da CHEVRON: GEORGE RAYMOND BUCK III, presidente, FLÁVIO MONTEIRO, gerente de segurança, saúde e meio ambiente, PATRÍCIA MARIA BACCHIN PRADAL, gerente de desenvolvimento de negócios e relações governamentais, e GARY EDWARDS, engenheiro e gerente do ativo do Campo de Frade.

Como se escreveu, o parquet viu no fato de a CHEVRON entregar à ANP gravações editadas das filmagens feitas pelo ROV, embora os agentes do Órgão Regulador tenham solicitado o conteúdo integral dos vídeos feitos do local da exsudação de petróleo, o crime de falsidade ideológica.  A propósito, este é o teor do art. 299, caput, do Código Penal:

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

O objeto material do delito é o documento público ou particular, cujo conceito, talhado pela doutrina, abrange, apenas, os documentos de forma escrita, a excluir, obviamente, as gravações em vídeo e as fotografias, por exemplo.  Essa é a doutrina de NELSON HUNGRIA, HELENO FRAGOSO, DAMÁSIO DE JESUS.  Além do mais, no crime de falsidade ideológica está em jogo o conteúdo intelectual expresso numa declaração de vontade feita pelo agente do delito que falseia a realidade com o intuito de enganar o sujeito passivo do crime, e isso não pode ser encontrado numa gravação de imagens reais por faltar, a um só tempo, a ideia falsa e a declaração de vontade.

De qualquer modo, nem mesmo a ANP entendeu haver o falseamento da verdade na entrega parcial das gravações feitas pela câmera do ROV, pois se inicialmente capitulou o fato no art. 3o, inciso V, da Lei n. 9.847/99 (prestar declarações ou informações inverídicas, falsificar, adulterar, inutilizar, simular ou alterar registros e escrituração de livros e outros documentos exigidos na legislação aplicável), mais tarde o reclassificou para a categoria de descumprimento de notificação, infração administrativa prevista no inciso XVI do mesmo dispositivo legal (deixar de cumprir Notificação para apresentação de documentos ou atendimento de determinações exigíveis na legislação vigente, quando tal obrigação não se constituir, por si só, em fato já definido como infração na presente Lei).  Essa foi a Decisão definitiva no processo administrativo 48610.015471/2011-21, relativo ao auto de infração DF n. 806 111 11 33 295242 (fls. 425/426).

Portanto, não se pode aceitar a Denúncia no que atine ao crime de falsidade ideológica.

O outro lote de acusações que trata do crime de falsidade ideológica parece ser formado por dois fatos distintos.  O primeiro concerne à declarações falsas feitas no Plano de Abandono do Poço aprovado, em caráter de urgência, pela ANP em 13/11/2011.  O Segundo é relativo à suposta falsidade da informação prestada no Relatório Diário de 15/11/2011, transmitido pela CHEVRON para diversos setores da Administração Pública, dando conta de que naquele momento havia 15 embarcações envolvidas nas atividades de contenção e dispersão da mancha de óleo.

Em relação ao primeiro, embora haja um parágrafo na Denúncia, incluído no capítulo denominado BASE EMPÍRICA, mencionando a inconformidade entre a relação dos equipamentos indicados no Plano de Abandono do Poço necessários para estancar o vazamento de óleo e os recursos materiais que a CHEVRON realmente dispunha (fl. 22), esse fato não foi relacionado entre os que o MPF inseriu no pedido de condenação, que assim ficou redigido:

¿Além disto, à exceção da predita pessoa jurídica, os demais [Réus] alteraram a verdade em documentos apresentados às autoridades públicas competentes.  Com efeito, em 15.11.2011, informaram falsamente a respeito da quantidade de navios empregados na operação de contenção e/ou dispersão do óleo vazado, assim como apresentaram à ANP imagens editadas acerca do vazamento, incidindo, ainda, na prática no artigo 299 do CP¿ (fl. 36).

Conquanto fosse inexigível a descrição da conduta nas duas partes da Denúncia, a opção em levar para o pedido de condenação alguns fatos, e não todos, que poderiam, em princípio, estar subsumidos no tipo penal do art. 299 do CP, tem relevância processual pois restringe a acusação e forja o exercício do direito de defesa.

Talvez o MPF realmente não tenha desejado, nesta Ação Penal, apresentar o pedido de condenação por tal fato, mesmo porque a única notícia do processo administrativo que trata da infração por tal fato dá conta de que não decisão final (fl. 630-IPL).  Mas apenas por precaução, não custa dizer que a Denúncia é inepta nesse ponto.

O segundo fato diz com a suposta informação falsa prestada por PATRÍCIA MARIA BACCHIN PRADAL, Gerente de Desenvolvimento de Negócios e Relações Governamentais da CHEVRON, de que haveria quinze embarcações no trabalho de contenção e dispersão mecânica da mancha de petróleo, quando, na realidade, apenas o navio de nome Skandi Salvador, e não dezesseis, como fora informado ao Órgão Regulador, estava no local do derramamento e fazia o trabalho de dispersão mecânica da mancha de petróleo.

O MPF também vê o crime de falsidade ideológica na afirmação, feita pela CHEVRON no Relatório Diário de 15/11/2011, acerca do Incidente no Campo de Frade, de que, com base nas informações coletadas às 06:00 horas daquele dia, havia 15 barcos envolvidos nas atividades de limpeza e suporte à operação de coleta de óleo (fl. 483-B-IPL).

A Acusação baseia-se, especificamente, no relato prestado pelo Agente de Polícia Federal MARCELO LOPES ARAÚJO à Autoridade Policial.  Naquele ato, o depoente relatou que, a sobrevoar a mancha de óleo, percebeu que só havia 1 embarcação efetivamente aplicada no trabalho de contenção ou dispersão do petróleo vazado do poço (fls. 482/483-IPL).

O contraponto a tal observação está no Relatório Preliminar preparado pela empresa HIDROCLEAN, contratada pela CHEVRON para levar adiante a execução das medidas de combate à poluição causada pelo derramamento de óleo (fls. 725/759-IPL).  Nesse documento menciona-se que, entre os dias 9 e 25 de novembro de 2011, ¿foram mobilizadas 22 embarcações de resposta, estando presente simultaneamente na operação até 16 embarcações¿.  O fato é que, especificamente no dia 15/11/2011, há o registro de utilização de 11 barcos (fl. 734-verso/IPL), e não 15 como foi noticiado no Relatório encaminhado pela CHEVRON à ANP, IBAMA, INEA, MARINHA DO BRASIL e POLÍCIA FEDERAL às 16 horas daquele dia.

As versões da Polícia Federal e da CHEVRON estão, claramente, em choque.  E mesmo que se prefira a versão da CHEVRON, o Relatório da HIDROCLEAN mostra que no dia 15/11/2011 havia 4 embarcações a menos nas atividades de contenção e dispersão da mancha do que fora divulgado.  Contudo, há diversos elementos a convencer que os registros da HIDROCLEAN retratam mais fielmente a realidade do que o depoimento do policial federal.  Se por um lado, o Agente da PF informa que, devido ao mau tempo e à não autonomia da aeronave para sobrevoar toda a extensão da mancha, não foi possível verificar se havia, efetivamente, mais embarcações empregadas no combate à poluição, por outro lado, o Relatório da HIDROCLEAN é instruído com os registros de navios mobilizados diariamente para as tarefas de contenção e dispersão da mancha de óleo, além de diversas fotografias tiradas nos momentos em que os barcos estavam em atividade, e isso tudo é complementado pelas notas fiscais de prestação de serviços de locação das embarcações e seus diários de bordos no período em tela (fls. 432/555).

Outra forma de abordar o mesmo tema é sob a perspectiva da tipicidade.  É razoável afirmar que a inconsistência na informação prestada pela CHEVRON não chega a ponto de constituir um crime de falso, seja porque a circunstância de nem todas embarcações estarem, simultaneamente, livrando o mar da mancha de óleo, signifique que não estavam, de alguma maneira, envolvidas na execução do plano de resposta ao derramamento.  De volta ao Relatório feito pela HIDROCLEAN, percebe-se que os 16 barcos deslocados para essa missão se revezavam ora nos trabalhos de combate à poluição, ora em escalas no porto para cumprir as tarefas de descontaminação, reabastecimento e trocas de turmas (fls. 733/735-IPL).

No final, o volume total estimado do vazamento foi de 2.400 barris, cerca de 381,55 metros cúbicos, o que, de acordo com o Plano de Emergência Individual ¿ PEI ¿ proposto pela CHEVRON, classifica a resposta num patamar significativamente inferior ao grau de PIOR CASO NÍVEL 1, que considerar um vazamento de 1.600 metros cúbicos por dia, para o qual o PEI estabelece a mobilização de 3 embarcações skimmers Terminator e 200 metros de barreira, e na realidade foram mobilizados equipamentos adicionais que suplantaram o previsto para esta operação.  Isso quer dizer que a reação esteve sempre além do exigido no PEI (fls. 744 e 744-verso/IPL).

Portanto, é exagerado concluir que a frase de ¿15 barcos estão [no dia 15/11/2011] envolvidos nas atividades de limpeza e suporte à operação de coleta de óleo¿ (fl. 483-B/IPL) corresponde à uma declaração falsa, escrita num documento particular, com o intuito de alterar a verdade acerca de fato juridicamente relevante, além do que seria inviável estender a imputação a outra pessoa que não a única autora de tal documento ¿ PATRÍCIA PADRAL,  a Gerente de Desenvolvimento de Negócios e Relações Governamentais da CHEVRON.

III ¿ Dispositivo

Por todas essas razões, sob as quais abrigo meu convencimento, rejeito, integralmente, a Denúncia.

Considerando os aditamentos feitos à Denúncia, excluo CÍNTIA VASCONCELOS FIGUEIREDO do rol de denunciados.  Determino que o Setor de Autuação e Distribuição da Justiça Federal providencie a retirada de seu nome dos registros cartorários.

P. R. I. C.

Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2013.



MARCELO LUZIO MARQUES ARAUJO
J u i z    F e d e r a l
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Edição disponibilizada em: 27/02/2013
Data formal de publicação: 28/02/2013
Prazos processuais a contar do 1º dia útil seguinte ao da publicação.
Conforme parágrafos 3º e 4º do art. 4º da Lei 11.419/2006
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Em decorrência os autos foram remetidos em 06/03/2013 para Réu
A contar de 28/02/2013 pelo prazo de 5 Dias (Simples).
Devolvido em 06/03/2013 por JRJEEI
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Em decorrencia os autos foram remetidos em 25/02/2013 a(o) SEDCR ¿ Seção de Distribuição Criminal (Antiga SEDCP)
Sem contagem de Prazos.
Enviado em 25/02/2013 por JRJNBW (Guia 2013.000132) e recebido em 25/02/2013 por JRJZBO
Devolvido  em 25/02/2013 por JRJZBO (Guia 2013.000580) e recebido em 25/02/2013 por JRJNBW

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Em decorrência os autos foram remetidos para Ministério Público - Criminal
Sem contagem de Prazos.
Disponibilizado em 19/02/2013 por JRJDCH (Guia 2013.000117) e entregue em 19/02/2013 por JRJTVJ
Devolvido em 25/02/2013 por JRJNBW

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